Um pouco mais de azul

sexta-feira, abril 30, 2004

Notícias filiais

Como a professora continua doente e quem a tem substituído teve hoje de faltar, a minha filha ficou em casa. O que significa que tive direito, ao longo da tarde, a pelo menos uns 325 beijinhos. Estou melada com tanta beijoquice (e muito ralada com isso...). Claro que nem tudo é cor-de-rosa, ou, mais ao tom do blog, azul: também tive direito a uma birra em três actos e a um choro furioso por não a ter deixado vir brincar para o computador. A garota ainda está mais farta do que eu da minha tese. Suspirou de alívio quando outro dia lhe respondi que não era preciso fazer um doutoramento em todas as profissões.

Além de se pendurar ao meu pescoço e de fazer a tal birra, leu, leu e leu durante a tarde. Desde o início do ano, devorou os cinco livros das aventuras do Harry Potter, que está a reler. Acho os últimos volumes um pouco assustadores para ela. Mas tanto me pediu que a deixei experimentar e, como não se impressionou, leu tudo até ao fim. Lê em voz alta as falas de certas personagens; o seu amigo imaginário lê as outras.

Ela tem um amigo imaginário, de facto. É normal isso acontecer, sobretudo em caso de filhos únicos. Mas este amigo imaginário, que às vezes através dela me coloca questões de variada natureza, tem um nome que acho impagável. Chama-se Zé Ninguém.

Na primeira classe, esta minha imaginativa garota inventou, com umas colegas, uma brincadeira que fazia dos intervalos das aulas a parte mais desejada da tarde. Tinham o seu próprio canal de televisão e filmavam uma série infantil. Deram a esta o interessante nome de Ilha dos Vómitos; a série passava na TV Porquinho.

Estou a rir. Espero que também estejam.

Pesquisas

Continuam a chegar aqui pessoas em busca da letra de uma canção pirosita que em tempos mencionei ter ouvido na rádio, e cujo nome nem repito para não fazer aumentar as hipóteses de mais gente vir procurar semelhante coisa, como quase todos os dias acontece (como se aqui houvesse canções pirosas para dar e vender, que frustração...).
Também há quem descubra este blog ao procurar informações sobre "ben-u-ron limão" (nem sabia que tal coisa existia) ou "desenhos de noivos" (não encontra nenhum).
Preferi de longe a pergunta que alguém colocou: "Quem é Paul Signac, quem são seus pais e onde nasceu?".
Qualquer dia pergunto a um motor de pesquisa: "Espelho mágico, espelho meu, haverá alguém mais belo do que eu?". Ou então, que me interessa muito mais saber: "Será que consigo acabar a tese tão rapidamente como desejo?" Gostava de ver a resposta.

Como o predador rondando a caça

É assim que me sinto. Parece que nada faço, nada avança. Mas há ideias a germinar, a crescer, de que mal tenho consciência. A contemplação faz parte do trabalho do investigador. Uma parte de que não gosto: pode ser desesperante. Tem repentes provocados pelo avistar da luz que nos indica o caminho a seguir, mesmo que sejam altas horas da madrugada. Tem fases de torpor diante do computador, diante de papéis que insistem em nada nos revelar. Depois, vem o momento de se fazer claro na nossa mente: a organização do texto, a sua lógica interna, o que queremos e podemos dizer a partir dos dados que temos. Mas até lá chegar, há longos e massacrantes dias em que parecemos obtusos. Em que olhamos por todos os lados a nossa presa ou até parecemos ignorá-la. Mas ela está lá, sempre. No momento certo saberemos saltar sobre ela e caçá-la. Sinto-me que nem leoa que avista ao longe a gazela; quero que chegue depressa o momento de a abocanhar. Nhac!
Acho que só entenderá verdadeiramente este post quem tiver conhecimento de causa; se é que se entende...

Lembrete para pôr bem na frente do nariz

Não voltar a fazer a estupidez de me deitar depois das 5 da manhã. Estou que nem "zombie".

"Tal" & torradas

Fazer torradas a esta hora parece idiota, não parece? Também acho. Mas mais idiota ainda é estar com inspiração para trabalhar a estas lindas horas. E o trabalho dá fome.

Mais um recadito para o "tal": se fazes o favor, apareces só quando acabar a tese, pode ser? Conhecendo-me como me conheço, largava tudo para estar contigo, e deixava a desgraçada para aqui emperrada. Ora eu quero ir de férias descansada este ano e estou fartinha de tese até à ponta dos cabelos. Por isso, pensa em me apareceres só a seguir; pode ser no dia em que a entregar. Combinado? Até lá, então.

(fim do "tal" tema; e as torradas já estão prontas)

quinta-feira, abril 29, 2004

Explicando melhor

O que escrevi esta tarde levou a vários comentários. Resolvi explicar um pouco melhor o porquê destas exigências que coloco em relação ao "tal".
As minhas divagações a este respeito não nasceram do nada. Tinham um motivo concreto: um amigo que me tinha ligado. Descrevo-o sumariamente: alto, moreno, simpático, bem vestido, bem educado, trabalhador, da minha idade, solteiro e cheio de vontade de encontrar a mulher com quem quer partilhar a vida e ter filhos. Dá-se bem com a minha filha, é uma boa companhia, posso contar com o seu apoio sempre que preciso pois é um amigo verdadeiro. Por que carga de água é que não o encaro com outros olhos que não os da amizade? É simples: porque lhe falta aquilo que descrevi no post anterior.

O "tal"

Dei outro dia comigo a reflectir sobre o "tal" que ainda não perdi a esperança que apareça na minha vida. Não que ande afanosamente à sua procura, diga-se - na maior parte das vezes, encontra-se o que se quer achar quando não se procura. É a lógica que aplico, por exemplo, à factura do seguro do carro que está algures no meu escritório, escondida num canto qualquer; resolvi deixar de procurar e estou certa de que aparecerá, por sua livre iniciativa, antes que termine o prazo para o pagar.
Claro que as pessoas são mais difíceis de encontrar do que um papel - se bem que por vezes tenho dúvidas... Este comentário foi provocado por um rápido relance em meu redor. Mas vou parar com os apartes e dizer o que me fez vir escrever.

Dei comigo, dizia, a reflectir sobre o "tal". Sei uma única coisa sobre ele: tem de ser alguém que admire. Alguém em quem reconheça uma inteligência igual ou superior à minha. Alguém bom, muito bom naquilo que fizer, e que o faça com gosto. Alguém que me abra novos mundos com o seu saber, o seu talento, as suas qualidades. Alguém em cujo mundo eu mergulhe e me encante, e me faça pertencer a ele e passe a fazer parte do meu mundo também. Alguém que puxe por mim, e por quem eu puxe, que me leve a superar-me a mim mesma. Alguém, no fundo, que não se resigne ao "quase" e queira o azul.

Sei ainda outra coisa importante: tem de ter sentido de humor.

O meu lado cínico e descrente pensa, neste momento: vais ficar sozinha o resto da vida... O meu lado optimista e romântico acredita que há-de existir alguém assim que se apaixone perdidamente por mim (que também é condição necessária, claro). O que me vale é o meu lado prático: deixa-te de palermices e vai trabalhar na tese! Obedeço à voz do bom senso. Até mais logo.

Adenda - Uma hora depois, o recibo do seguro do carro apareceu, sem um gesto meu para o procurar, e quando ainda faltam mais de duas semanas para terminar o prazo de pagamento. Há, pois, esperança à face da terra. Já agora, "tal", faz como o papelito e aparece antes que eu tenha 60 anos, está bem? Gostava de ter filhos contigo.

Mais uns agradecimentos

Novos links envaidecem este espaço em tons de azul. O meu sincero obrigada ao Nós-sela e ao Forum comunitário.
Tenho mesmo de actualizar a coluna de leituras... A ver se no final do dia tenho tempo (e paciência) para isso.

Spam dos famosos

Todos os dias, como provavelmente a maioria das pessoas, continuo a receber spam na minha caixa de correio electrónica. Hoje, recebi uma mensagem spam especial: do Rui Zink, para mim. Ena. Estou a ficar famosa (só mesmo via spam, felizmente).

quarta-feira, abril 28, 2004

Telejornal do incrível

Hoje, ao contrário do habitual, vi parte do telejornal da TVI.
Estava a dar uma repostagem sobre uma mulher que se sente muito penalizada pelo facto de a legislação portuguesa não permitir que a irmã lhe empreste o útero para ter os filhos que não pode gerar; a tónica foi colocada nas malvadas leis nacionais que a impedem de realizar os seus sonhos (hei-de falar sobre o tema noutro post).
Seguiu-se, creio, uma reportagem acerca de crianças com trissomia 21, outra sobre doentes bipolares. Não as vi com atenção, não posso pronunciar-me grandemente a seu respeito. Pareceu-me que a primeira reportagem era feita em estilo lacrimejante, e a segunda importava essencialmente porque davam a cara na campanha sobre os doentes bipolares várias "personalidades" da nossa praça, entre as quais um jornalista da TVI.Registo ainda que o tempo dedicado a questões de saúde foi substancial; percebe-se, pois a saúde é um dos temas favoritos dos portugueses, logo gera audiências.
A notícia seguinte dizia respeito a um burro que violou uma vaca e foi por isso condenado. A sério, acreditem em mim. Ou melhor, acreditem que anunciaram tal notícia, porque eu não assisti a ela.
Tão cedo, garanto, não volto a ver o telejornal da TVI.

Aristides de Sousa Mendes

Está patente ao público no Arquivo da Universidade de Coimbra uma exposição que vale a pena visitar. É dedicada a Aristides de Sousa Mendes, cuja morte ocorreu há 50 anos. Nunca é demais lembrar o que a generosidade deste homem fez por tantos, tantos refugiados aflitos. Comovi-me ao ver testemunhos escritos da sua acção: registos dos vistos que concedeu, documentos oficiais retirando-lhe o poder de conferir vistos, excertos do processo que lhe moveram, algumas cartas que lhe foram enviadas por pessoas a quem o seu gesto salvou. A exposição percorre toda a sua vida e é uma homenagem despretenciosa a este homem. Como este post, na sua extrema simplicidade, deseja ser.
Ficaram-me sempre gravadas as primeiras palavras do romance de um autor alemão cujo nome, naturalmente, não me ocorre de momento. Pergunta Deus a Adão onde tinha estado: "Wo warst du, Adam?", pergunta o Senhor. "Ich war im Krieg", responde Adão. Para Sousa Mendes, a guerra não serviu de justificação para a ausência das virtudes humanas. E por isso me curvo perante o seu exemplo e me sinto bem ao saber que existiram, que existem pessoas assim.

Dueto

Em vez de uma tarde sem vozes infantis, uma tarde de vozes em duplicado. Lá dentro, a minha filha goza o feriado inesperado, com uma amiga que não tinha onde ficar e se recusava a ir para a sala de outra professora sem a companhia do meu pardalito. E pronto, cá estão as duas, felizes. Vou recorrer à velha técnica dos "phones" nos ouvidos para trabalhar sossegada. Mas o sossego nunca é o mesmo...

terça-feira, abril 27, 2004

Recordações de infância

A minha filha foi sempre muito faladora. Notou-se logo à nascença: ainda com parte do corpo dentro de mim, já se fazia ouvir, berrando a plenos pulmões.
Muito pequenita, por volta dos 5 ou 6 meses, passava horas a balbuciar: "guinguin, guingun"; já ninguém cá em casa aguentava estes sons que a encantavam! A sua primeira palavra foi "mamama", o que muito me envaideceu, apesar da sílaba a mais; num instante aprendeu a dizer "papapa" (três sílabas também, naturalmente), para bem da harmonia doméstica, porque o pai andava a ficar ciumento do privilégio materno!
Por volta do ano e meio, falava pelos cotovelos. Ninguém a percebia, mas também ninguém a calava. Do meio da sua algaraviada, lá nos chegavam umas "palavras" cujo significado entendíamos: "mumu" era o leite (ninguém mandou a mãe ensinar-lhe as vozes dos animais demasiado cedo), "gô" o arroz (não me perguntem porquê). A minha predilecção era, no entanto, a sua forma de dizer florzinha: "folhulha", como já tinha dito no post anterior. Ficou também para sempre gravado nos ouvidos de toda a família o seu lamento indignado quando não conseguia desenhar com perfeição aquilo que queria: "Não consego!!!". Sempre lhe expliquei que a palavra certa era "consigo". Não imaginam o desgosto que tive no dia em que não foi preciso corrigi-la...

Telefonemas & mimalhices

Acho muita graça ver como a minha filhota está a crescer. Refiro-a como a minha pequenina, mas na verdade está cada vez maior: já me dá um bocadinho por cima do ombro, o que significa que, não tarda nada, está tão alta como eu, que sou baixita.
Mas não é só fisicamente que cresce. Há bocado, tocou o telefone: era para ela, uma amiguinha a querer combinar umas brincadeiras. Outras vezes, liga o seu grande amigo da escola, para saber pormenores sobre os trabalhos de casa. Gosta menos de ser ela a telefonar, porque tem vergonha (inventa umas vergonhas tão tontas...), mas quando lhe ligam fica numa conversa animadíssima.
Eu sorrio e apercebo-me que o meu pardalito está a ganhar força nas asas, a preparar-se para um dia voar. É tão bom ver uma criança a crescer ao nosso lado!
Todas as noites, porém, volta a ser pequenina. Trepa-me para o colo, depois de lavar os dentes, e é assim, muito abraçada a mim, que vai para a cama. Estes rituais de deitar são momentos de conversa, histórias, gargalhadas e muito mimo. Vou ter saudades quando já não puder com ela ao colo, ou quando ela já não quiser estes miminhos. Tal como tenho saudades do tempo em que ela dizia "folhulha" em vez de "florzinha", ou "consego" no lugar de "consigo".
São saudades boas. Daquelas que pintam a vida em tons de azul.

De tarde

As montanhas do meu horizonte passaram de azul a verde. Já não há névoa, mas um sol esplendoroso. É uma quase blasfémia ir-me enfiar num sítio pouco luminoso. Mas tem de ser...

Tons de azul (5)



Alfred Sisley, Le brouillard, 1875.

Já perceberam decerto que gosto muito do impressionismo. Digam lá se este nevoeiro azul não é lindo?
As montanhas que avisto da minha janela estão também envoltas numa névoa azulada.

Thirty something

Era, creio, o nome de uma série que gostava de ver, no tempo em que ainda via televisão (coisa cada vez mais rara, para bem da minha sanidade mental). Serve esta expressão de mote para uma breve reflexão sobre ter trinta e tal anos.
Só dei conta que ao escrever acerca do 25 de Abril revelei a minha idade quando li os comentários. Pode parecer patetice, mas é a pura verdade (mais uma "azulice" das minhas, como resolvi chamar às minhas azelhices). Não era segredo de Estado, não me importo de dizer a idade que tenho - apesar do que Churchill afirmava sobre as mulheres que não mentiam a este respeito...
Idade é, diz-se muitas vezes, um estado de espírito: se não o é apenas, é-o também, e muito. Sinto-me mais jovem que há uns anos atrás, por exemplo. Porque os meus olhos voltaram a ter um brilho que lhes andava a faltar - e o brilho nos olhos rejuvenesce, e de que maneira!
Por outro lado, pesando as vantagens de ter vinte ou trinta anos, a balança inclina-se, a meu ver, sem dúvida, a favor dos trinta. Já Balzac falava da "femme de trente ans" - tinha razão. Sabemos muito mais que aos vinte, temos uma maturidade muito diferente e a maternidade, caso tenha acontecido, deu-nos muita coisa para além de quilos a mais, celulite e estrias. Resumindo: gosto da idade que tenho, sinto-me bem com ela.
Não me apetece é pensar em passar a ter quarenta... Ora, faltam ainda quase dois anos! E também há quem me diga que não há idade melhor que essa, por isso, não me preocupo (demasiado). E mesmo que me preocupe, o tempo vai correr sem pedir a minha opinião. Vou é tentar aproveitar o melhor dos meus thirty something.

Segunda-feira (apesar de já ser terça)

Já disse várias vezes que a segunda-feira é o meu dia complicado. Um dia que termina comigo tão cansada que raramente sou capaz de jantar. Só me apetece ficar calada, sem sequer pensar. Depois, pouco a pouco, recomeço a sentir-me eu. Felizmente só há uma segunda-feira por semana.

segunda-feira, abril 26, 2004

Azulices (4)

Saí carregada com dois grossos livros. Cheguei ao meu destino e descobri que os troquei, eram outros aqueles de que necessitava...

Impressões

Com a chegada do calor, começam-se a ver pessoas vestidas como se estivéssemos em pleno Agosto. Concluo do que vejo que a moda feminina deste ano é um pavor e que as mulheres ou não têm espelho ou são desprovidas do sentido do ridículo.

Cruzo-me com antigos colegas que não vejo há séculos. Um deles está gordo, velho, quase irreconhecível; certifico-me que é ele pela mulher que o acompanha. Outra parece uma baleia, de tal modo que me interrogo se estará grávida; a cara dela está tão envelhecida... Sinto urgência em me ver ao espelho e ter a certeza de que, mais velha embora, não estou assim. Felizmente não estou!

Descubro que o presidente da câmara da minha cidade escreveu um livro intitulado "O poder é solúvel". Deve ser. Como o açúcar. Ou o sal.

domingo, abril 25, 2004

Azulices (3)

Como é que tirar da arca uma posta de raia congelada consegue deixar-me um dedo a deitar sangue? Que falta de jeito a minha...

Revoluções



Em dia de comemoração do 25 de Abril, fala-se cá por casa da revolução russa. Melhor dizendo, dos Romanov e da princesa Anastasia. A minha filha encontrou um livro sobre a família imperial russa e fiz-lhe ver que a história da Anastasia que conhece dos desenhos animados se baseia no que teria acontecido à princesa. Choveram as perguntas, tive de ver com ela as legendas de todas as fotografias do livro (em francês, por isso ela não entendia). O mais difícil foi explicar porque é que aquelas crianças foram mortas. Falei-lhe do porquê da revolução, do regime dos czares, da opressão que o povo russo conhecia, do desfasamento entre a dura vida da população e o fausto que rodeava a família imperial, do simbolismo que tinha a morte do czar e da sua família. Ela entendeu a minha tentativa de explicação (simplista por demais), mas não percebeu porque é que se mataram as crianças. Eu também não. Não se compreende a maldade, o mal.

25 de Abril

Quando se deu o 25 de Abril, andava na 3ª classe. Fui de manhã para a escola, como de costume. Vim a casa almoçar e já não voltei: não ia haver aulas de tarde por causa da revolução. Fiquei muito contente por não ir ao colégio e assim não ter aula de música - nunca entendi bem porque reagi assim, já que gostava de música.
Os meus pais resguardaram as filhas do que se passava; e nós eramos demasiado pequenitas, sobretudo eu, para percebermos ou nos interessarmos muito pelo que os jornais e a TV mostravam. As principais diferenças que senti foram ter -se passado a cantar nas aulas de música não apenas o hino nacional, mas também a Grândola e a Gaivota, e os velhos desenhos animados americanos terem sido substituídos por outros provenientes dos países de leste, apresentados pelo Vasco Granja, que eu achava parecido com o Bugs Bunny. Lembro-me também de uma série infantil polaca que dava ao sábado à tarde, chamada, creio, A pedra branca, cuja protagonista era uma menina que brincava no jardim com uma pedra branca; o pai dela costumava escrever um livro no ar com os dedos e, se bem me recordo, era por isso tido como maluquinho pelos vizinhos (não admira, de facto), o que levava a que a filha fosse troçada pelos colegas da sua idade, que cantavam uma canção a seu respeito que ainda sei trautear.
Lembro-me de outras coisas também desses tempos revolucionários, de forma parcelar, desconexa, como se fossem "flashes" na minha memória (que é estupidamente selectiva). As fardas camufladas dos militares. Imagens dos tanques. Os cravos vermelhos, de que não gostava (o cravo deve ser a única flor de que não gosto). Os telejornais durante os quais tinha de estar calada. Os discursos do Vasco Gonçalves. E as músicas militares, repetidas até à saturação, a que ganhei uma aversão que ainda hoje perdura. Recordações de uma garota de 8 anos que não fazia grande ideia do que se estava a passar e se preocupava muito mais com as suas brincadeiras e o seu pequeno mundo do que com a política.

Nos últimos dias, tenho ouvido músicas desse tempo. Dei comigo a ter saudades das vozes, das cantigas, sobretudo, talvez, do entusiasmo nelas patente. Estive a ouvir as canções revolucionárias frente a uma televisão sem som que mostrava imagens de Valentim Loureiro a dar autógrafos e com uma galinha branca na mão. Ao som da Grândola e do Depois do Adeus. Foi surreal.

Pequenos gestos que estragam um serão

Por vezes, há pequenos gestos que magoam a valer. Coisas que se calhar outros não veriam como importantes, ou não o seriam em contextos diferentes, mas que se sentem como facadas. Há pequenos gestos que não merecemos. Pequenos gestos que nos desiludem. Pequenos gestos que mostram que, às vezes, sou burra que nem uma porta. Porra!

sábado, abril 24, 2004

Casamentos

Odeio casamentos. Se já não achava grande piada antes de me separar, agora tenho-lhes verdadeira alergia. Pior ainda: não consigo olhar para uns noivos sem me vir à mente a ideia de que daí por pouco tempo são capazes de se estar a separar; é muito feio pensar isso, eu sei, mas não consigo evitar.
É preciso dizer que, para mim, só o casamento religioso faz realmente sentido. Foi assim que me casei, pedindo a bênção divina para uma união que já estava feita, porque o "sim" tinha sido dito muito tempo antes, no dia em que tinhamos olhado fundo nos olhos um do outro e percebido que queríamos partilhar a vida. O dia do casamento foi apenas o oficializar desse propósito perante Deus e a sociedade.
Mas agora vem o busílis: um dia, fiz um propósito de vida em comum para o qual pedi a bênção divina. Não deu certo. Errar é humano, não é? A imperfeição faz parte do homem, não faz? Nem sempre conseguimos cumprir uma promessa, apesar de todos os esforços, pois não? Condena-nos a Igreja até ao fim dos tempos porque não cumprimos uma promessa? Se tiver sido uma promessa matrimonial, condena.
Quando me separei, tive alguma dificuldade em enfrentar o padre que tinha presidido ao meu casamento e que pertence à família. Tive receio que me viesse dizer que era errado tomar essa decisão e que devia resignar-me ao meu destino - garanto que, se alguém me tivesse dito tal coisa, naquela altura, teria recebido uma resposta muito pouco delicada sobre o que fazer à tal resignação. Felizmente, apenas me disse que acreditava que eu não teria tomado tal decisão de forma leviana; e eu suspirei de alívio. Mas já me foi sugerido que, se calhar, não houve verdadeiramente casamento, porque talvez uma das partes não tenha encarado o matrimónio como devia - a minha resposta imediata foi que houve, sim; mas deu errado. Porque não reconhecer que um casamento pode falhar, caramba?
Hoje fui a um casamento. Durante a homilia, depois de várias frases que soaram a oco sobre o amor conjugal, ditas por quem não faz a menor ideia do que é esse amor, o padre afirmou que os divórcios se dão porque as pessoas não se empenham verdadeiramente - foi a gota de água, saí da igreja. Magoou; senti que me passavam um atestado de leviandade que, de todo, não mereço. Se é um facto que o que ele disse é verdade em vários casos, não o é em muitos, muitos outros; é extremamente redutor pensar assim, e fere os sentimentos de quem já vive com a dor de ter falhado um projecto de vida.
Raios, que sabem os padres acerca do casamento ou do amor conjugal? Que sabem eles, ou quem nunca foi casado, do que é viver a dois? Que sabem das dificuldades que acompanham sempre a tentativa de harmonizar duas personalidades distintas? Que sabem de como tal é complicado, mesmo quando ambos se empenham verdadeiramente? Que sabem de quanto dói ver o amor morrer? Ou do inferno que é verificar que, não obstante o amor, se tornou impossível viver com o outro, apesar de se tentar do fundo do coração? Tenho por certo que, se os padres pudessem casar, o divórcio há muito seria aceite.
Acho hipócrita a postura da Igreja quanto ao casamento. Acho hipócrita que, como sei que se faz, se aconselhem o casamento apenas pelo civil para ver se resulta, de modo a não impedir que um dia se possam vir a casar pela Igreja. Acho hipócrita que um divorciado não possa ser padrinho de um casamento, mas se for divorciado de um casamento civil já possa. E ser padrinho de baptismo, será que autorizam? - acaba de me ocorrer tal pensamento. Se eu mantivesse um casamento de fachada e até coleccionasse amantes, continuaria dentro do aprovado pela Igreja, não seria considerada uma ovelha tresmalhada. Bastava uma confissãozita para tudo me ser perdoado. Isto é ou não hipocrisia?
Sinto-me, neste momento, como uma pária na minha Igreja. Mas não acredito que Deus desejasse que eu pagasse o resto da minha vida o preço de uma promessa que fiz de coração aberto, mas que não foi possível manter e que não dependia sequer apenas de mim. Não acredito mesmo. E assim me afasto.

Dia Mundial do Livro

Passou a meia-noite sem eu dar por ela. Não faz mal, para mim hoje ainda é ontem, porque os dias só mudam quando eu me deito. Por isso, ainda estamos no Dia Mundial do Livro.
Hoje andei a ver livros. Comprei apenas um para oferecer, outro para a minha filha (que queria ainda mais um e saiu de lá a choramingar). Para mim, nada. Mesmo com desconto, os livros estão caríssimos, e o meu dinheiro não chega para tudo. Há dois anos que não vejo o meu salário aumentar nem um cêntimozito. Tenho de pagar o seguro do carro, o imposto municipal sobre a minha casa, o condomínio, certas obras que se andam a fazer no prédio, tudo isto até meados de Maio. A minha filha cresce mais que uma erva daninha depois de uns dias de chuva, precisa com urgência de roupa para este tempo menos frio. Necessito de ir ao dentista. E claro, tenho de pagar a empregada, a água, luz, gás, telefone, e convém não deixar de comer. Como pensar em comprar livros? Ou CDs?
É este o meu testemunho sobre o Dia Mundial do Livro? É, sim. Desconfio que não será diferente do de muitas outras pessoas que, tal como eu, adoram livros.

Um possível bar do GIRC



Julgavam que me tinha esquecido? De modo algum...

sexta-feira, abril 23, 2004

Azulices (2)

Dois meses depois de ter este carro, ainda não sei para que lado devo virar a chave quando o quero trancar. Outro dia deixei-o aberto - felizmente dentro da garagem. É que fecha ao contrário do carro que tinha antes...

Azulices (1)

Não me devia esquecer quando ponho um gancho da minha filha a segurar a franja, que ainda não cresceu quanto devia para deixar de o ser. Acabo de fazer figura de parva ao ir abrir a porta de travessão vermelho enfeitado com o Tweety no cabelo.

A minha cidade (4 de muitos)

Ontem saí de casa às 18h10. Fui buscar a minha filha à escola e levei-a à catequese, onde entrou pontualmente às 18h30. Aproveitei para ir ao talho, que fica perto da igreja. De seguida vim trazer a carne a casa e tive tempo para mandar uns mails e espreitar o blog antes de ir buscar a garota, às 19h30. Ainda houve um quartito de hora de brincadeira nos baloiços. Às 20h estávamos em casa.
Este é um post para fazer inveja aos lisboetas. E convenhamos: a muitos habitantes de muitas outras cidades, inclusive da minha, que não têm tudo à mão de semear como eu.

Mãe

Hoje era o dia dos teus anos.
Não vou escrever nada sobre ti, já o fiz. Não vou colocar aqui nenhuma imagem: só faria sentido a tua. Vou, apenas, aconchegar-te ainda mais no meu coração. E pensar em quanto me deste e deixaste de ti, com um sorriso azul, azul - como os teus olhos.

Uma canção para quem enche este blog de música e poesia

My funny Valentine
Sweet comic Valentine
You make me smile with my heart

Your looks are laughable
Unphotographable
Yet you're my fav'rite work of art

Is your figure less than Greek
Is your mouth a little weak
When you open it to speak
Are you smart?

Don't change a hair for me
Not if you care for me
Stay little Valentine
Stay!
Each day is valentine's day

Is your figure less than Greek
Is your mouth a little weak
When you open it to speak
Are you smart?

Don't change a hair for me
Not if you care for me
Stay little Valentine
Stay, oh stay!
Each day is valentine's day


Depois do "Everything happens to me", ouço o Chet Baker a cantar "My funny Valentine". Deste-me aquela; esta é para ti. Espero ter tanta pontaria como tu.

quinta-feira, abril 22, 2004

Para os companheiros de luta

Não, ainda não é um post sobre a revolução nem a sua evolução com perda de "r". Refiro-me àqueles que, como eu, penam a fazer um doutoramento. Vão ao Nós-sela, leiam, riam e ouçam. E sintam-se acompanhados.

Agradecimentos

Tenho andado muito preguiçosa em agradecer novos links. Com as minhas desculpas pelo atraso, aqui fica um agradecimento sincero ao No Arame, Uns e Outros, Letras com Garfos, Letras com Garfos II, Bloguida, Flor do Asfalto, Um Ano de Ti, Mi Mamá me mima, Criança Ser Psicológico e Canto da Sereia.
A próxima tarefa vai ser actualizar devidamente a lista de leituras aqui ao lado.

Entretanto, deu-se a conhecer um blog nascido, tal como este, por inspiração do poema de Mário de Sá-Carneiro. Fiquei um pouco embaraçada, porque não fazia ideia de que na blogosfera havia Um pouco mais de sol já antes de haver este meu Um pouco mais de azul. É uma coincidência engraçada, tal como o facto de por lá aparecerem alguns poemas ou letras de canções que aqui também se encontram. Bem, duas apreciadoras do Quase tinham de ter outras características em comum!

Aqui onde estou

Pela janela do meu escritório continua a entrar um sol luminoso. Gosto de trabalhar aqui, nos meus domínios virados a sul e servidos por uma varanda, aquela onde a minha filha gosta de brincar. O escritório tem estantes a forrar todas as paredes. Precisava de mais espaço: os livros e dossiers já quase não cabem nelas. Reina a desordem neste espaço: sou desarrumada por natureza, não consigo ser de outra forma. Às vezes isso é desesperante (quando procuro um entre milhares de papéis), mas na maioria dos casos nem reparo na desordem, é assim que me sinto bem. Neste momento, eu própria reconheço que a desordem está a assumir proporções preocupantes. No final da tese vou demorar séculos a arrumar; até logo, limito-me às pequenas operações absolutamente essenciais para ser possível continuar a trabalhar aqui.
Ao lado da secretária, entre esta e a varanda, fica o cantinho da minha filha. Gosta muito de se instalar ali, num monte de almofadas, a ler ou a brincar enquanto trabalho. As marcas da sua passagem pelo escritório ultrapassam de longe, porém, esse cantinho. Sai à mãe...
A estante à minha frente é dedicada à literatura e à música; ali está a aparelhagem, que uso alternando com o leitor de CDs do computador. De noite, é mais prático recorrer a este e aos phones para não se ouvir barulho; de dia, uso-o também cada vez mais, por pura preguiça de me levantar para ir mudar o CD.
Gosto de estar no meu escritório. Mas ando desejosa do tempo em que não terei de passar aqui tantas horas...

Viva!

Hoje estou bem disposta!
Depois de uma data de posts tristonhos como um dia de chuva ou, pior ainda, de trovoada, tenho de dar esta notícia aos meus caríssimos leitores. Por cá, o céu está azul, lá fora como cá dentro. Hoje nem a srª ministra me deixa mal disposta. Viva!

A minha cidade (3 de muitos)

A minha cidade, na Primavera, fica bonita a valer. Tem uma luz especial nesta altura do ano. Costumo estacionar o carro perto de um jardim e fazer o percurso que falta até ao meu local de trabalho pelo meio dele. As madressilvas começam a cobrir os muros, as glicínias trepam pelas grades, as árvores estão cheias de folhas de um verde tenro de diversas cores. Gosto deste passeio pelo meio do jardim, a sentir os cheiros e as cores.

Nocturno

De novo Lloyd Cole, de novo Music in a foreign language. Música desencantada, intimista, de quem se enfiou na concha. Combina. E ajuda-me a trabalhar.

Music in a foreign language
words that we don't understand...
Music in a foreign language
melodies don't come between us...

quarta-feira, abril 21, 2004

Um hino, uma homenagem

Há pouco, saltitando de blog em blog, seguindo links, encontrei um post que me deixou boquiaberta. Era uma homenagem a um velho amigo do tempo de estudante, falecido estupidamente há um ano atrás; continha a letra da mais estapafúrdia canção alguma vez inventada, da autoria dele, claro, canção essa que se tornou uma espécie de hino do meu grupo da Faculdade, entoado com "bis" e "encores" no final dos jantares de curso. Como é que alguma vez eu tive a lata de cantar semelhante coisa em altos berros? Coisas dos tempos de estudante, dos verdes anos...
O seu autor era um pândego da Academia, um daqueles cábulas cheios de graça junto de quem não se podia estar sério, sem o qual a Queima não tinha piada. Muitas das melhores recordações que guardo desses tempos estão indissociavelmente ligadas a ele. Não duvido que neste momento esteja no Céu a cantar fado de Coimbra, como nas serenatas da Sé, ou a fazer rir à gargalhada almas humanas, anjos e santos e o próprio Criador, como tantas vezes nos fez rir a nós, até às lágrimas.
Perdoem-me os autores do blog, perdoem-me os meus caríssimos leitores, mas não faço o link. Não por pudor em relação à letra da canção (indescritível, acreditem), mas porque é uma daquelas recordações que quero calar. Aqui fica, apenas, um abraço, muito sentido, de homenagem. Ao Tó.

A minha cidade (2 de muitos)

Na minha cidade, quem pinta as placas dos sinais de trânsito é um artista frustrado. Tem de ser. Só alguém com veia artística espartilhada pela monotonia dos temas a que está obrigado se vinga criando placas assim. As letras são tão, mas tão pequeninas que é quase preciso parar o carro ao pé da placa e pegar nuns binóculos para conseguir ler o que está escrito. As setas, então, são as mais delirantes de que há memória. Elas ondulam, elas curvam e contracurvam, elas torcem-se num nó, deixando de cabeça à razão de juros qualquer comum mortal que apenas quer olhar para uma placa e num instante saber a direcção a seguir ou se a rua pela qual pretende sequir não é de sentido proibido. Que importa desenhar faixas de rodagem aos "ss" com setinhas onduladas, se o objectivo do sinal é, unica e exclusivamente, indicar que o trânsito naquele sítio tem dois sentidos?
Dou comigo em deliciada contemplação destas placas. Penso sempre que quem as pinta é um génio da pintura mal-compreendido. E endereço uma curta oração aos Céus, pedindo que lhe dêem uma oportunidade para demonstrar o seu talento rapidamente. Talvez assim os sinais de trânsito da minha cidade passem a ser inteligíveis e normais.

A minha cidade (1 de muitos)

Na minha cidade esqueceram-se de um pequenino pormenor ao abrirem novas ruas e ao repararem outras antigas. Esqueceram-se do escoamento das águas da chuva. Ou quiseram poupar nas sarjetas e na colocação das gradezinhas pelas quais a água devia escorrer. Assim, mal chove um bocadito, como hoje, fica tudo inundado. Os carros, ao passar, mesmo com todo o cuidado, molham quem vai no passeio. Os transeuntes ficam com os pés encharcados. Os autênticos riachos que se criam pelas ladeiras abaixo arrastam consigo pedras, areias, que se depositam quando chegam a zonas planas e ali se vão amontoando ad aeternum. Tudo porque umas mentes brilhantes se esqueceram de um pequenino pormenor.

Anúncios vários, comentados

Bruxa eficaz procura-se, urgente. Exige-se garantia para o resultados dos feitiços, claro (o pior é que não acredito em bruxas...)

Oferecem-se baldes em bom estado, usados apenas para despejar água fria em cima de uma gata escaldada. Com a colecção inteira, leve de brinde a gata (estou mais que farta dessa estúpida).

A melhor receita para emagrecer, num blog perto de si: tese + chatices em barda + baldes de água fria + neuras + mundo a cair em cima da gente = roupa larga, larga, larga. Experimente já (sobretudo, leve daqui essa porcaria toda; com excepção da tese, claro; que não é nenhuma porcaria, é minha, muito minha e ainda preciso dela).

Sono em ordem, procura-se. Perdeu-se há demasiado tempo e está a fazer muita falta.

Dose reforçada de bom senso e pragmatismo, procura-se.

Falando em pragmatismo - vou mas é dormir em vez de escrever parvoeiras.

Masoquismo

Este post vai ser um post masoquista. De alguma forma, estou a precisar que doa, que doa tanto que a dor se apague a si própria. Ou que doa tudo e depois passe.

Recebi há momentos um mail com uma fotografia: a sobrinha de uns amigos queridos, acabada de nascer. Uma bebé de olhinhos fechados, dormindo tranquila na sua caminha. Olhei para ela, sorri, e percebi, pela milionésima vez, que desejo imenso voltar a ser mãe.
Há uns anos engravidei pela segunda vez. Fiquei feliz - ficámos felizes, os três; eramos três, nesse tempo... Passei três meses enjoadíssima, com um sono horroroso, a cabeça zonza e humor de cão. Na altura de fazer a primeira ecografia, fomos os três, contentes, para vermos o maninho que lá vinha. Descobrimos que não era um, mas dois. E estavam mortos. Acontece imenso no primeiro trimestre da gravidez, mais ainda quando se trata de gémeos. Costuma suceder apenas aos outros. Dessa vez foi comigo.
Nos dias que se seguiram, senti-me um cemitério. Fui internada. De novo tive contracções e as malditas dores de rins que sentira quando a minha filha nasceu - só que desta vez não ia nascer ninguém, os meus minúsculos filhinhos estavam mortos. Eram dores sem sentido, portanto, sem nada que as justificasse e fizesse esquecer. Ao meu lado, uma outra mulher passava pelo mesmo, com a agravante de ser a primeira gravidez, depois de anos a tentar. Não nos conheciamos até nos colocarem no mesmo quarto da maternidade. Nas longas e tristes horas que passámos juntas, demos as mãos e falámos, chorámos, consolámo-nos mutuamente. Demos força uma à outra de uma forma que nunca pensei ser possível, de mãos dadas, cravadas uma na outra. Nunca mais nos vimos.
A vida impediu-me de voltar a tentar engravidar. Primeiro, contra-indicações de ordem médica. Depois, as muito mais complicadas contra-indicações de um casamento mais que falhado. Chegou-me a passar pela cabeça a ideia totalmente estúpida de não me separar antes de ter outro filho - seria de um egoísmo atroz... Deixei de conseguir olhar para lojas com roupas de bebé. Quando entro nelas, coloco uma armadura. Quando a minha filha me diz que quer ter um irmão (e di-lo tantas vezes...), coloco a mesma armadura. Mas hoje a armadura foi totalmente ineficaz perante a imagem de uma bebé recém-nascida, tranquilamente a dormir no seu berço. Veio tudo à lembrança, as lágrimas aos olhos, a verdade ao de cima: quero voltar a ser mãe. Quero voltar a ter um filho a crescer dentro de mim. Quero voltar a ter uma mão pequenininha a agarrar com toda a força o meu dedo. Quero voltar a amar e a ser amada de tal forma que juntos queiramos partilhar a vida e juntos queiramos fazer um filho e ver crescer os filhos e o amor.

Avisei que o teor deste post era puro masoquismo. Mas o propósito acima enunciado foi atingido. Só falta o resto, tudo o resto...

terça-feira, abril 20, 2004

Música

Os Queen aos berros são uma das melhores formas de chamar a mim a força quando ela é necessária. "May the force be with me".

Carta aberta à Srª Ministra da Ciência e do Ensino Superior

Tenho quebrado o meu princípio de não abordar certos temas neste blog por força das circunstâncias. Abro uma excepção ainda maior com a transcrição na íntegra da carta que se segue, escrita pelo Prof. Doutor João Vasconcelos Costa. Ela merece ser lida e conhecida mesmo por quem não costuma ir ao Professorices ou ao site sobre o Ensino Superior deste Professor (cujo endereço se encontra no Professorices). Aqui fica, para pensarmos nas grandes verdades que contém, quer estejamos ligados a estes temas, quer não.

Senhora Ministra,

Como não a conheço mas ouço dizer que é uma excelente investigadora, fui ver o seu currículo e finalmente compreendi a razão de ser da tão discutida proposta dos "100 artigos". Afinal, é óbvio. V. Exa. é professora catedrática, com 48 anos de idade (olhe que só lhe faltam 2 para entrar naquela senioridade em que já se deixa de estar "com as mãos na massa" da investigação) e com 14 de categoria. Mas só tem 92 artigos e não posso garantir que estejam todos indexados. Também não sei se terá 200 citações, mas fiquemos só pelos artigos. Afinal, V. Exa. tem toda a razão. É destes seniores que nós precisamos, porque quanto a jovens doutorados ou mesmo aos essenciais "middle career", já cá temos excesso e não é preciso nenhum plano especial, antes pelo contrário. Eles contentam-se com as bolsas, não nos vão aborrecer para a universidade como professores contratados, muito menos quando vêm doutorados do estrangeiro, com ideias que têm provado muito bem lá fora mas que, evidentemente, não se adaptam às nossas especificidades, com as quais as nossas universidades e os seus mestres têm sabido conviver de forma tão inteligente e eficaz. De tal forma que eu, até há alguns anos critico feroz da universidade, acabei forçosamente por me render à opinião de tantos brilhantes mestres de que a nossa universidade e a nossa investigação não nos envergonham. Envergonharmo-nos seria estarmos atrás do Burkina Fasso. Ah, então o Ramires que todos temos cá dentro empunharia a espada.

Mas já estava a desviar-me do essencial. Se V. Exa. tivesse fixado como limite as 90 publicações, abaixo das suas 92, o que seria? Que diriam os invejosos e despeitados, logo aproveitados por essa oposição que não compreende a obra histórica de "evolução" do seu governo (com cuja politica V. Exa. é solidária e co-responsável - sim, que não há isso de ministérios "técnicos"), depois de 30 anos de revolução que alguns ainda teimam em celebrar? Diriam certamente que V. Exa. se queria beneficiar (sim, porque ainda não se percebe bem se o novo modelo não poderá dar benefícios pessoais a ilustres catedráticos portugueses)! V. Exa. bem podia dizer que não tem culpa de ser de uma área em que se publica imenso, em que há revistas como nabos no nabal, em que há matéria de publicação tipo caixa negra, em que entra material por um lado e sai artigo por outro. Os deputados da oposição continuariam a não ver essa óbvia atitude de honestidade e isenção pessoal da sua parte. Também sei que V. Exa. sabe que, para contemplar a generalidade das disciplinas, teria que baixar esse limite para coisas tão vergonhosas como 30 ou 40 artigos. Só um néscio politico é que não compreende a clarividência de V. Exa. ao nem sequer pensar numa coisa destas. No dia seguinte, teríamos todos os catedráticos de engenharia, de medicina, de química (bem, não todos, porque alguns só têm meia dúzia de publicações) a fazer uma manifestação a exigir o dobro do vencimento, a premiar o mérito.

Receba, pois, o meu aplauso. E ainda mais o terá quando, arrumada a politica científica, se virar para a do ensino superior. Decerto que, nos próximos meses - porque Bolonha já vem aí - surpreenderá toda a Europa, mostrando o génio português. Sim, porque a generalidade dos países vem a trabalhar sobre o processo de Bolonha desde 1999, mas com aquele trabalho árduo, de suor a cair, de insatisfação com a ideia repentina e brilhante, que caracteriza tantos europeus. Não sou tão chauvinista que não reconheça o mérito de muito desse trabalho, mas é trabalho rotineiro, disciplinado, segundo as regras, com o objectivo da qualidade. Do que eu gosto é do trabalho à nossa maneira: desenrascado, sem pretensiosices de teoria, habilidoso para embrulhar com papel novo o caco velho, com o brilho que a nossa habilidade retórica dá às boas velhas ideias, como a solarina aos candelabros.

V. Exa. maravilhará a Europa com as ideias acutilantes de uns conselheiros de que se soube rodear, nomeadamente pesoas que, nos seus mandatos, colocaram as suas universidades caducas na fronteira da modernidade. É injusto dizer-se que V. Exa. não demonstrou ainda ter uma única ideia sobre a universidade dos dias de hoje, sobre os desafios que lhe coloca a sociedade do conhecimento, sobre a sua transformação no instrumento privilegiado da competitividade nos tempos da globalização, a par de guardiã do património cultural da humanidade. Afinal, tudo isto são "chavões", que uns poucos despeitados, com pretensões a pensadores da educação superior, andam por aí a escrever, quando faziam melhor em trabalhar e em gerar boas ideias práticas sobre os verdadeiros problemas, como, por exemplo, o de reduzir em 75%, até 2010, o financiamentoi estatal da educação superior.

E estou certo de que V. Exa. está a trabalhar sobre tudo isto. Nunca disse nada, nunca escreveu um artigo sobre educação, nunca tomou posição em nenhum debate, mas as pessoas não estão a perceber a magnífica estratégia de V. Exa. Faz muito bem em guardar ciosamente as suas ideias nos confins do seu cérebro, como se fosse no canto remoto do sótão, até que, ao revelá-las, o mundo veja que, com a herança que temos dos genes de quinhentos, os novos preparatórios de medicina nas ilhas não pedem meças à Harvard Medical School e que, finalmente, à frente de Cambridge, vem a sua nova Universidade de Bragança.

PS – Afinal, Sra. Ministra, sou sempre precipitado e tenho a mania de dizer coisas. Só depois de ter fechado esta carta é que a dei a ler à minha mulher, que tem bom senso. E não é que ela me disse: "então tu não ias pedir à ministra um lugar na comissão ministerial para a reforma do formato da capa das teses de doutoramento? Agora já não consegues". Olhe, Sra. Ministra, não ligue a tudo o que eu disse nesta carta, porque uma senhazinha de presença faz-me jeito.

Estão-me a tirar do sério...

Não costumo ter vontade de partir a televisão - mas estou com vontade de o fazer. Acabei de ver a srª ministra da Ciência e do Ensino Superior a defender o seu projecto de financiamento à investigação no programa 2010, na 2. Estão-me a tomar por imbecil, repito o que já disse mil vezes. A srª ministra, com o que diz e propõe; o programa, por não estar a ser mais que lhe dar voz à ministra, não lhe colocando as perguntas que todos quantos têm falado sobre o tema, todos quantos se dedicam à investigação científica, têm levantado desde que se fala desta medida. Não é um debate, apenas uma sucursal do MCES. Se calhar não é esse programa que tem a obrigação de debater tais matérias - mas caramba, que estas medidas são completamente desenquadradas da realidade, que não passam de poeira para os olhos, qualquer um com o mínimo de conhecimentos sabe, reconhece, vê! Está na cara!
É melhor calar-me e acalmar. Por exemplo, tentando saber os desenvolvimentos do caso do dia: a prisão de gente ligada ao futebol. Cá para mim, vamos ter um Euro 2004 inaugurado directamente da prisão...
Pensando bem, não quero saber de nada disso. Vou informar-me é do preço das viagens para as Grenadines. Caros candidatos ao GIRC, vamos a isso?

Intervalo musical

Isto está a ficar muito melancólico para meu gosto. Vamos à música - brasileira, para (não) variar. Pode parecer uma escolha estranha, tendo em conta o último post; mas ouvi esta canção há bocado na rádio, na voz da Bethânia, e ficou no ouvido. É gostoso demais...

Tô com saudade de tu, meu desejo
Tô com saudade do beijo e do mel
Do teu olhar carinhoso
Do teu abraço gostoso
De passear no teu céu

É tão difícil ficar sem você
O teu amor é gostoso demais
Teu cheiro me dá prazer
Eu quando estou com você
Estou nos braços da paz

Pensamento viaja e vai buscar
Meu bem querer
Não posso ser feliz assim
Tem dó de mim
O que é que eu posso fazer


(Dominguinhos/N. Cordel)

Perguntas & respostas

A hora de almoço serve não só para comer, como para conversar. Há tempos, foi durante o almoço que a minha filha se lembrou de perguntar o que queria, afinal, dizer "merda" (tema muito apropriado para ser esclarecido frente a um prato de comida). Outra vez, dissertou acerca dos canários: se a canária (que tinhamos comprado sem a certeza absoluta de ser fêmea) afinal fosse canário e eles andassem a trocar beijinhos, isso faria deles homossexuais? Por falar nisso, não foi desta ainda que nasceram passarinhos, mas a canária já voltou a pôr ovos, e abre as asas e manda o macho para o ninho, sempre que quer ir comer; vê-lo a obedecer-lhe a toda a velocidade é um regalo...

Hoje a conversa foi bem mais complicada. Afirmava a minha filha que era preciso que a mãe e o pai voltassem a viver juntos. E tive de lhe dizer, com toda a clareza, que isso não ia acontecer. Custou ver as lagrimitas a rolar-lhe pela carinha abaixo; mas seria muito pior deixá-la alimentar esperanças vãs. Absolutamente vãs.

Tons de azul (4)



Paul Signac, La voile verte, Venise, 1904

Não

Não, ainda não fui de viagem. Apenas não tive tempo nem disposição para escrever. Como já aqui disse, detesto as segundas-feiras. Este ano, todos os feriados, todas as greves, todas as tolerâncias de ponto deviam calhar à segunda-feira.

domingo, abril 18, 2004

Aperto

Há pessoas que, com a melhor das intenções, nos obrigam a falar do que não queremos. Não fazem por mal - mas antes não dissessem nada... Deixam-nos com um aperto no coração.

In illo tempore...*

*Perdoe-se-me o plágio de Trindade Coelho; já agora, quem não conhece, leia o In illo tempore, para mim o melhor e mais divertido relato sobre a vida dos estudantes de Coimbra de Oitocentos.

Quando eu tinha uns 10-12 anos, o meu sonho era ser arqueóloga. Os meus livros predilectos dos Famosos Cinco eram os passados no navio naufragado, envolvendo velhas arcas, mapas de tesouros escondidos ou castelos arruinados. Ainda hoje prefiro, entre todos os álbuns do Tintim, O Segredo do Licorne e O Tesouro de Rackam o Terrível; e a minha predilecção muito especial pelas aventuras de Astérix tem muito a ver com o facto de se passar em tempos antigos e de envolver druidas e menires. Passava horas e horas a ler livros que falassem das descobertas de antigas civilizações, sobre o Egipto, a Suméria, as fantásticas descobertas de Schliemann, o desenterrar de Pompeia, a decifração de escritas antigas. Divertia-me a tentar ler hieróglifos, a procurar entender os símbolos da escrita cuneiforme. Enfim: devorava o que me chegasse às mãos sobre tais assuntos.
Não sei bem o que me foi afastando desses sonhos de criança e adolescente. Creio que, em boa parte, o ter tomado consciência de que, na maioria das vezes, os arqueólogos não encontram Tróias, nem túmulos de faraós, nem tesouros, mas sim vestígios muito mais modestos do passado humano. A aura de que se revestiam esses relatos foi perdendo um pouco do seu brilho, do seu efeito encantatório sobre mim. O manifesto desinteresse dos programas liceais quanto a tais matérias contribuiu também, decerto, para que o meu entusiasmo diminuisse. Salvou-se o gosto pela Pré-História; mas por pouco tempo.
O certo é que, quando ingressei na Universidade, a minha opção foi claramente História. Apenas História, não na sua variante de Arqueologia. Pensava, um dia, fazer as cadeiras necessárias para ficar com as duas licenciaturas. Mas tal acabou por não se verificar. Se estudei para as cadeiras do 1º ano dedicadas às civilizações pré-clássicas e clássicas com grande gosto, a verdade é que esse ano marcou também o final da minha paixão por essas épocas e temáticas. Marcou, especialmente, o fim do meu gosto pela Pré-História - o que um mau professor pode fazer: ao imenso gosto sucedeu-se uma quase aversão, que me custa, confesso, mas que nunca mais consegui vencer.
No ano seguinte, novos, sólidos e duradouros amores nasceram, substituindo, até hoje, as anteriores paixões. Mas cá dentro, bem lá no fundo, ficaram gostos latentes, adormecidos. Uma parte de mim gostava de os despertar - outra tem receio de o fazer...

Agora sim

Agora sim, voltei ao normal. Uma normalidade feita de ternas cores e muito carinho... Nada, mas nada me torna feliz como abraçar a minha filha. Nada faz tudo voltar aos sítios certos como a consciência de ser mãe.

Preocupação

Definitivamente, estou preocupada. A coisa é grave, gravíssima: apetece-me beber Coca-Cola!

Finalmente entendi

Estou mais descansada. Finalmente entendi o que se passa comigo e me faz escrever coisas tão estranhas e inusitadas. É influência do que se lê quando se acede ao Site Meter. Na barra da publicidade, lá no cimo, ao lado do símbolo do site que não pára de rodar, rodar, um senhor com ar de X-Files (será que eu devia saber quem ele é?) faz um aviso perturbador, em tons pardos, sobre o medo, o terrorismo, e depois dá um endereço que parecia de alguma instância governamental americana. Palavra que aquilo arrepia, parece que estou a ver a Scully e o Mulder, só falta o homem envolto em fumo (mas esse passou para o negócio dos queijos, é verdade). Claro que como queria copiar exactamente o que lá está, o reclame desapareceu. Prometo refazer este post quando voltar a apanhar um calafrio ao ler aquilo. Agora está lá um grande olho azul.

Adenda: Apanhei o reclame! Diz assim: A message from the US Department of Homeland Security. Terrorism forces us to make choices. We can be afraid ou we can be ready. Ready. Depois vem um endereço na net, mas eu cá não o copio. Ainda me arriscava a que viesse o tal grande olho azul espiar o meu bloguezito...

Errata

Reli o que escrevi há bocado. Não, não voltei ao normal. De modo nenhum. Ter dormido a sesta entre as 20h e as 22h30 deve ser a principal razão para ter escrito coisas tão estranhas. Espero que seja...

E para finalizar...

Hoje vi um homem com os óculos de sol virados para a nuca. Fiquei a olhar, fascinada. A sério. O cabelo dele estava rapado, os óculos pareciam assentar sobre um nariz invisível, tapando uns olhos que não existiam, numa cabeça virada para trás, sem boca.

Voltando ao normal

Nada como ver o novo "spam" que jaz na caixa do correio electrónio para dar uma gargalhada e com ela sentir que regresso à normalidade (?). Agora já não recebo notícias sobre sucedâneos de Viagra. Enviam-me, isso sim, uma mensagem intitulada "Torne-se inesquecível". Começa assim:

"Conscientes dos perigos que o dia-a-dia exerce sobre todo relacionamento amoroso, as mulheres, cada vez mais, vêm buscando e praticando técnicas e brincadeiras que visam "esquentar" o relacionamento aumentando o poder de encantar sexual e sensualmente seu parceiro amoroso, proporcionando mais prazer para ambos. (...) Com a técnica indiana do Pompoar você terá domínio dos movimentos dos músculos vaginais. É a arte de amar citada no Kama Sutra, que intensifica enormemente o prazer do casal, encanta os homens além de proporcionar diversos benefícios para a saúde."

Depois são anunciados cursos em S. Paulo, com aulas práticas que não implicam tirar a roupa e exercícios com acessórios para treinar em casa.

Ena! Assim já vale a pena receber "spam". Pelo menos dá para rir. E pensar que há coisas como o óleo de cedro, servem para tudo (não se admirem se não entenderem, é assim uma espécie de "private-joke"; um dia, se estiver para aí virada, escrevo sobre as insuspeitadas virtudes do óleo de cedro, utilizado noutros tempos para muito mais do que dar brilho às madeiras...).

Nada como uma sonora gargalhada e o sentido do ridículo para regressarmos à realidade.

Entre as ilhas e a seda

Pairo entre as ilhas e a seda. Neste fim-de-semana repleto de estranheza, divido-me entre o sonho azul das ilhas (e que significa mais que uma simples brincadeira) e as frases belas do livro que hoje li. Se calhar para não pensar em mais nada - nem sempre apetece pensar ou entender, ou sequer sentir...

sábado, abril 17, 2004

GIRC - Ponto da situação

Como tinha dito, a minha ausência deveu-se à necessidade de trabalhar em prol do nosso projecto científico do Grenadine Interdisciplinary Research Center (GIRC). Já temos assegurados o barco à vela e o bar. Recordo que foram apresentadas várias candidaturas por parte de investigadores de diversas áreas, desde a literatura à música, e que manifestaram grande interesse em se juntar ao projecto um capelão e um nadador-salvador.
Nem pensem que ia deixar de lado uma ideia fantástica como esta, ou que ia parar de aqui colocar fotos das Grenadines. Como poderia? Olhem a ilha de Bequia ao pôr-do-sol, tão azul...


Apagando o céu com as asas...

"Les oiseaux volaient avec lenteur, montant dans le ciel puis redescendant, comme s'ils avaient voulu l'effacer, méticuleusement, avec leurs ailes."

Uma frase de Seda. Propositadamente uma que nada diz sobre o livro, e das que achei mais bonitas.

Regresso

Há dias estranhos. Ou melhor, dias em que me sinto estranha. Quase como se eu não fosse eu. Como se fosse não outra pessoa, mas uma espectadora de mim, dos outros, da vida. Dias em que me vejo falar, rir, andar, mas parece que não sou eu quem o faz, como se parte de mim agisse sozinha, e outra parte ficasse a ver. É uma sensação parecida com a de mergulhar totalmente num livro, e ao terminar a leitura não sabermos bem se pertencemos ao mundo do livro, se ao mundo real.
Já estava a sentir-me assim antes de passar umas horas a ler. Agora estou muito pior. Porque mergulhei num mundo de seda. Não sei se existe em português a Seda, de Alessandro Baricco. Li a tradução francesa durante uma viagem de comboio. Faltavam umas páginas para terminar quando cheguei ao meu destino. Entrei em casa, pousei a mala, as chaves, sentei-me a ler até ao fim. Só depois olhei à minha volta. Ainda não sei muito bem onde estou, quem sou. Por várias razões, sinto-me seda.

Room with a view

A luz da manhã entra pela sala dentro, tornando-a clara, fazendo-a brilhar. O rio estende-se na minha frente, os barcos ancorados convidam a viajar. É bonito e pacífico. Está-se bem nesta sala.

sexta-feira, abril 16, 2004

Bom fim-de-semana!

E agora, caros amigos, vou tratar de problemas de natureza variada relacionados com este projecto de investigação interdisciplinar, o mais azul do universo. Por isso, aqui ficam os meus votos de um óptimo fim-de-semana para todos, e os meus agradecimentos pela prestimosa colaboração prestada. Cá vos espero, com novas ideias, sugestões e sorrisos, a partir de... amanhã à noite (porque se não havia de ter havido alterações ao meu programa de fim-de-semana nem era eu...).

Grenadine Research Group

Nova ideia nasceu: criar um centro de investigação nas Grenadines. Já tenho pelo menos uma sócia. Vai ser um centro de excelência. Não duvido que, com a ajuda da paisagem circundante e do rum caribenho, conseguiremos com uma perna às costas (ou as duas...) ultrapassar, de longe, a meta dos 100 artigos.
Estão abertas candidaturas para o Centro (há bocado abri concurso para a exploração do bar e do barco). Exige-se inteligência, entusiasmo, escrever sem erros e uma dose imensa de sentido de humor. "Non sense" e imaginação são condições preferenciais. (Isto é apenas um primeiro esboço do que virá a ser o edital, que não será publicado no DR).

O meu futuro local de trabalho



(Agora vão-me aturar mais as Grenadines...)

Ainda cá estou...

Faltam-me algumas coisitas para poder partir sossegada, por isso ainda estou por cá. Quando fui fazer as malas, reparei que precisava de comprar uns fatos de banho, roupa de verão, óculos de sol, toalhas de praia... E depois pensei que era melhor acabar o ano lectivo, para não haver problemas com a transferência da minha filha para a escola primária de lá. E já agora, visto que não vou já e que me esforcei tanto para fazer a tese, mais vale acabá-la antes de partir para as ilhas. Afinal, o grau de doutora vai fazer toda a diferença, para andar de barco e ver o pôr-do-sol junto ao mar...
Resumindo: ainda me aturam por cá durante mais uns tempitos. Mas com as Grenadines como meta, podem crer, planeando a retirada estratégica para o mundo azul que descobri. Aceitam-se candidaturas para colaboradores no sonho.

Adeus, estou de partida



Até há bocadinho, não tinha visto nenhuma fotografia das Grenadines. Agora já vi. Adeuzinho. Encontrei o meu mundo azul. Mando notícias se lá houver internet.

Epílogo

Final do dia, hora de fazer balanço dele (sim, eu sei que já é 1h26 da manhã, mas o meu dia só acaba quando vou para a cama). Dia estúpido até mais não. Em que o trabalho não rendeu nadinha, em que estive com uma neura do caraças. Há dias assim. Parece tudo mais negro, nem sabemos bem porquê (bem, eu até tenho uma justificaçãozita ou outra, mas não são chamadas para o caso). Dias de pôr tudo em causa. De perguntar a mim mesma o que ando eu a fazer na vida, agarrada a coisas que não interessam a ninguém, que ninguém valoriza - para quê, afinal?
Lembro-me do Velho e do Mar, do Hemingway (é o único livro do Hemingway de que verdadeiramente gostei; mas também não os li todos). E agora, a dúvida existencial: será que é nesse livro? Ai, que esta memória... Bem, não importa: se não for nesse é noutro qualquer, o que interessa é a história que ia contar e que surge no livro (seja ele qual for). Um turista americano falava com um pescador, perguntando-lhe porque é que ele não estava a pescar; ele responde que tinha pescado de manhã; argumenta o turista que se fosse pescar também à tarde, ganhava mais, e vai desenvolvendo o seu raciocínio no sentido de mostrar ao outro que quanto mais trabalhasse mais ganhava e com o dinheiro ganho poderia ter muitas coisas. Entre elas, poderia um dia ficar sem necessidade de trabalhar, olhando o mar. Responde o pescador que é exactamente isso o que já está a fazer. Sempre gostei deste diálogo (e é uma vergonha estar com estas dúvidas sobre a sua autoria; em minha defesa alego que, se quiserem, debito toda a minha tese até agora escrita, e ela já vai grande, sem quaisquer falhas de memória). Mostra bem como muito do nosso lufa-lufa diário é perfeitamente inútil, porque buscamos uma série de coisas que, afinal, não nos fazem mais felizes. Eu gosto muito do que faço, como creio já ter ficado patente; mas quantas vezes me interrogo sobre se valem a pena os sacrifícios que este trabalho exige (ainda para mais quando vêm propostas destas da ministra - lá volto eu ao mesmo...). A ideia da reforma nas Grenadines, a explorar um barzito, a passear num barco à vela, é cada vez mais sedutora. Melhor ideia: deixo para a reforma a investigação, e vou para as ilhas agora...

quinta-feira, abril 15, 2004

Aborto

Devia estar a fazer outras coisas, mas acabei por ficar por aqui e, lendo mais opiniões sobre o tal projecto de financiamento da investigação que me tem trazido azeda, acabo por dar com um dos melhores textos que já li sobre o aborto. É este um tema complicado, sobre o qual me custa sempre falar, mas que me importa muito. Está fora do calendário blogosférico, mas está no meu calendário pessoal, que é o que interessa para mim.
Já em tempos aqui deixei uns apontamentos para um dia escrever sobre o assunto, o que não se chegou a concretizar. Deixo agora este link para o Conta Natura, que nos fornece um texto muito equilibrado e lúcido sobre o assunto; este outro para o Comprometido Espectador (posts de 1/12 e seguintes; desculpem a minha ignorância quanto a linkar directamente para um post específico), com o qual estou em absoluto acordo; este e este para o Contra a Corrente, que coloca (a 18 e 25 de Janeiro, se não me engana) questões que me obrigaram, e obrigam, a pensar. Todos estes textos colidem uns com os outros em vários aspectos. Porque não é uma questão fácil.

Fica aqui a minha opinião sobre o tema. A minha, muito pessoal, sobre mim mesma: nunca seria capaz de abortar. Se um acaso levasse a que engravidasse, por muito que isso provocasse um terramoto na minha vida (e como provocaria...), essa gravidez seria aceite e levada até ao fim, contra tudo e todos, se fosse caso disso. Não é uma frase pouco reflectida a que acabei de escrever: é uma declaração de princípio a cumprir. Se estivesse grávida de um bebé sofrendo de uma deficiência como a trissomia 21, esse bebé seria benvindo na mesma. Se a deficiência detectada fosse incompatível com a vida, estaria perante a mais difícil e terrível decisão, porque a esperança de que as coisas não fossem tão más como o diagnóstico pré-natal fazia temer ficaria sempre a pairar; tinham de me provar com toda a certeza que não era possível a vida, ou que esta seria de um sofrimento atroz durante o pouco tempo que durasse, para eu ser capaz de aceitar. Se fosse a minha vida a estar em perigo por causa da gravidez, não saberia optar; um dia, grávida da minha filha, tendo-se colocado essa mesma questão em conversa, o pai dela optava, sem dúvidas, pela minha vida; eu nunca o conseguiria fazer, apesar de todo o instinto que nos leva a procurar a sobrevivência, porque há todo um outro instinto, o de protecção pelo filho que começa muito, mas muito antes de ele nascer.

Caramba, lembro-me de cada tema para escrever... Porque me meto eu em coisas complicadas? Se já estava meio pró neura, agora fiquei de todo... Volto mas é para o trabalho, sonhando com a tal reforma dourada, sob o sol das Grenadines... e com um rancho de petizes saudáveis e felizes em meu redor.

Schubert

Só para dizer que, por aqui, se ouve Schubert. Na sublime interpretação de Maria João Pires, Le voyage magnifique. Ela é outra que está farta das parvoeiras deste país. Outro cérebro que fugiu, quis voltar e acaba decerto por desistir e ir lá para fora. Ela não precisa de Belgais nem de Portugal; mas Portugal precisava...
Enfim, vamos lá ao trabalho, se não nunca mais chego aos 100 artigos. Que Schubert me inspire.
Céu menos nublado à direita.

Desinspiração

Caros leitores, estou sem inspiração para escrever hoje aqui.
Provavelmente porque ainda estou meio estremunhada de um acordar tardio (metamorfoses em aves noctívagas não se fazem assim do pé para a mão, ou da pata para a asa).
Também porque uma das minhas lentes de contacto insiste em estar suja, daí resultando uma situação parecida com céu limpo à esquerda e muito nublado à direita (será alguma revelação de cariz político via ocular?).
Se calhar contribui ainda para este estado de alguma apatia o choque de me saber alvo de sonhos fiscalo-eróticos de um simpático e desconhecido bloguista desta praça. Como se consegue misturar IRS com erotismo é que eu ainda não percebi (se tivesse entendido, provavelmente já teria preenchido entusiasticamente a minha declaração); acho que é essa a maior razão do meu choque.
Finalmente, ainda ando a remoer o atestado de imbecilidade que a senhora ministra da Ciência e do Ensino Superior anda a querer passar a quem se dedica à investigação (vejam o post abaixo, em que remeto para blogs onde muito se tem falado sobre esse assunto); está cá atravessadito na garganta, pior do que uma espinha de peixe.
Por tudo isto, vou é trabalhar: para acabar a tese e tentar apanhar o comboio dos 100 artigos em revistas internacionais que constam de uma lista que ainda não consegui saber qual é. E olhem, começo a aceitar inscrições para orientações de doutoramento; se têm de ser 10 para ser considerada uma investigadora de excelência (e já só precisar de 50 artigos em vez de 100), é melhor começar já a recrutar pessoal, ou os muito longos anos de vida que ainda espero ter (se o Alex não me pregar muitos sustos como o de hoje) não vão chegar para ter direito a uns 2 anitos de ordenado a dobrar, e depois ir passar o resto do tempo, de papo para o ar, numa qualquer ilha tropical. Ouvi dizer que as Grenadines são um óptimo local para passar a reforma, e gostei da ideia...

Para variar

Hoje não ouço os Tindersticks! E só agora, depois de todo um dia em que o trabalho não rendeu nadinha, é que estou a conseguir fazer alguma coisa. Estou pior que coruja, não haja dúvida. Uh-uh...

quarta-feira, abril 14, 2004

Aqui, eu falo é disto

Acabo de dar uma espreitadela ao quarto da minha filha. Até fiquei com os cabelos em pé ao ver um quadro branco para escrever com marcadores todo manchado, três pares de mãos pretas, quilos de toalhetes tão negros como as mãos, as blusas das duas mais novas (uma das quais o meu rebento) quase no mesmo estado. Não sou capaz de ralhar de forma muito convicta. Afinal, elas estão divertidíssimas na brincadeira, a roupa fez-se mesmo para sujar, e antes toalhetes gastos (mesmo com aquele cheiro que inevitavelmente me recorda fraldas sujas) do que a colcha da cama toda suja. Espero que os pais das outras duas petizas vejam as coisas do mesmo modo que eu...

Um esclarecimento

Foi muito simpático da parte do Alexandre ter remetido para este espaço, a propósito do debate bloguístico sobre o ensino superior e a investigação em Portugal. Vejo, pelo meu contador de visitantes, que várias pessoas aqui vieram trazidas pelo seu link. Desanimam-se por certo ao verem que, para além do desabafo que uma vez aqui deixei, e para o qual o link directamente remete, mais nada é dito sobre o assunto. É que o "Um pouco mais de azul" é um espaço onde só muito raramente falo desses temas complicados (se bem que ando tão furiosa por ser tratada como imbecil por este projecto do Ministério da Ciência e do Ensino Superior - espero ter acertado no nome - que me parece que, desta vez, abro uma excepção e falo mesmo sobre o assunto). Participo, isso sim, com todo o gosto e convicção, nos animados debates sobre tais matérias que se têm desenrolado em torno do Professorices, do Fio de Ariana, do Que Universidade?, do Holocénico. A todos os interessados convido a participarem também.

Agora a sério

Não basta dizermos que somos contra a pena de morte. Há que fazer alguma coisa para impedir que ela seja aplicada. E isto é tanto mais verdadeiro, urgente, imprescindível quando em causa não está o julgamento de monstros sádicos, assassinos e violadores, casos que levam muita gente a pensar que a pena de morte devia existir. Eu não acho. Sou contra, em qualquer circunstância. Muito mais quando se trata de pessoas condenadas à morte por lapidação pelo grave crime de terem relações sexuais fora do casamento.
Mas chega de palavras, vamos é agir. Vão ao site da Amnistia Internacional (dou o endereço espanhol, foi o que me enviaram) e assinem esta petição, com a certeza de que serve de alguma coisa, de que não é um gesto vão.

Snif...

Soube há bocadinho, por uma simpática comentadora, que os Tindersticks dão um concerto amanhã em Lisboa. Porque é que só agora sei? Em que mundo vivo eu, afinal? Porque é que nunca estou atenta a estas coisas? Porque é que ando com a cabeça enfiada em papéis (ou a pensar no que não devo a altas horas da madrugada), em lugar de ver notícias sobre concertos a que gostava de assistir?
Ora bolas, bolas, bolas...

Enigma

De novo 4h da manhã, de novo Tindersticks, de novo a mesma canção. Porque é que esta música ainda me faz pensar em ti?

terça-feira, abril 13, 2004

Cenas da vida quotidiana (3)

Compro fruta. Estou tão distraída, com a cabeça a pensar nos meus papéis, que me esqueço de a pesar. Ao chegar a minha vez na caixa, descubro o esquecimento. Volto atrás. Felizmente há pouca gente no mini-mercado onde me costumo abastecer. Infelizmente a maior parte das pessoas deve lá ter ido de manhã e há pouco por onde escolher. Ainda vou ter de voltar lá esta semana.

Regresso a casa. Carrego no botão do elevador e este insiste em descer em vez de subir, leva-me a passear até à cave - manias... Depois sobe até ao meu andar. Ouço vozes infantis mesmo antes de meter a chave na fechadura. Dou conta que a minha filha está mesmo ao lado da porta; toco à campainha, digo que é a mamã, ela abre e abraça-me como se não me visse há um mês. Quase deixo cair os sacos das compras.

Está um lindo dia. Pequenas nuvens espalhadas por um céu azul claro. Da varanda do escritório, onde estou, vê-se o verde das montanhas que circundam a cidade, a leste. Gosto desta vista, é desafogada, larga. Volto-me para o computador e retomo o trabalho.

Cenas da vida quotidiana (2)

Há brinquedos espalhados por todos os cantos desta casa. Um rasto da minha filha em cada sítio. Dela e das amigas que, quase todos os dias, se lhe têm juntado em brincadeiras intermináveis. No meio dos gritos, dos risos, da algazarra, umas visitas aparecem no meu escritório - para contar o que estão a fazer, pedir licença para alguma brincadeira a que eu possa torcer o nariz, ou simplesmente dar um beijinho.
Coloco os "headphones" nos ouvidos, tento abstrair-me do barulho, tento concentrar-me no trabalho.
No final das férias, preciso de descansar. E de silêncio. O próximo fim-de-semana, assim espero, será meu, só meu, longe daqui.

Cenas da vida quotidiana (1)

"Mãe, há um monte branco na varanda do teu quarto". Um monte branco na varanda? "Sim, um monte, a meio do tecto." Vamos à varanda. O sol brilha de tal forma que mal consigo olhar para o tecto, mas de facto, vê-se uma enorme bolha branca. Subo a um banco, toco no estranho monte e... levo um banho. A bolha estava cheia de água, proveniente por certo de alguma infiltração no andar de cima. Pelo menos a água estava limpa. Mas fiquei encharcada...

segunda-feira, abril 12, 2004

Para quem me lê



Miosótis. Flores azuis, pequeninas, delicadas, lindas. Para todos quantos aqui vêm. Para assinalar o momento em que o contador marca 3000 visitas a este blog, companheiro da minha guerra ao "quase" e da minha busca de "um pouco mais de azul".

Tons de azul (3)


Paul Klee, Gedanken bei Schnee (1933)

Ou seja, pensamentos na neve; em tons azulados. Combinam comigo hoje.

Exorcismo

Às 4 da manhã, dançar ao som dos Tindersticks, sempre a mesma música, Until the morning comes vezes sem conta, o som dos "headphones" no máximo, dançando só para mim, só para mim, até exorcizar a recordação que ligava esta canção a ti.

My hands ‘round your throat
If I kill you now, well, they will never know
Wake me up if I’m sleeping
By the look in your eyes I know the time’s nearly come
Wake me up ‘cause I’m dreaming
Well, they’ll never believe what’s been happening here
But caught in my mind there’s a way I get out

Wake me up ‘cause I’m dreaming
Well they’ll never believe it
So hush now, my babe, please don’t cry
Everything’s gonna be alright
Hush now, darling, I can hear you’re screaming
Let me hold you until the morning comes

So tell me this is what you want
You can whisper it soft or you can scream it out loud
‘Cause there’s still time to change your mind
But do it now before tomorrow comes

Wake me up ‘cause I’m dreaming
Well, they’ll never believe it
So hush now, my babe, please don’t cry
Everything’s gonna be alright
Hush now, darling, I can hear you’re screaming
Let me hold you until the morning comes

Until the morning comes

The light is fading
But the stars are dancing bright
My mind is racing like clouds across the sky
How did you make me go... this far?

Nothing matters when we're dancing

Dance with me my old friend
once before we go
Let's pretend this song won't end
and we never have to go home
and we'll dance among the chandeliers

And nothing matters when we're dancing
In tat or tatters you're entrancing
Be we in Paris or in Lansing
Nothing matters when we're dancing
Nothing matters when we're dancing.

You've never been more beautiful
your eyes like two full moons
as here in this poor old dancehall
among the dreadful tunes
the awful songs we don't even hear

And nothing matters when we're dancing
In tat or tatters you're entrancing
Be we in Paris or in Lansing
Nothing matters when we're dancing
Nothing matters when we're dancing.


Ouço esta música dos Magnetic Fields e dou comigo a pensar que tenho umas saudades enormes de dançar. Não de dançar de qualquer maneira... De dançar como dancei, ao longo de anos, com uma certa pessoa. Dois corpos que se entendem, sabendo um o que o outro vai fazer e acompanhando-o ou convidando-o para um determinado passo. Quando isso acontece, de facto, nada importa, senão o prazer de dançar, e o prazer de deixar os corpos à solta, conversando, seduzindo-se através da dança.

(Estou a lembrar-me da última vez que dancei desta forma... Não, não conto! Quero é voltar a dançar assim...)

domingo, abril 11, 2004

Balanço pascal

Pronto, o domingo de Páscoa está a chegar ao fim. E correu muito bem. Façamos o balanço:
- Queimei a ponta de um dedo na grelha do forno, o que deu muito jeito para de seguida descascar batatas, lavar louça, etc, etc (mas já está quase bom, graças ao Halibut; eu sei que há coisas melhores, mas esta pomada malcheirosa que tenho sempre à mão faz muito bem).
- Houve uma inundação na casa de banho, provocada por uma menina que tomava banho cantando em altos berros, sem se aperceber que a cortina estava mal posta e que metade da água escorria pelo chão fora; à custa disso, foi por um triz que o refogado do arroz não estorricou, porque me esqueci dele ao lume enquanto agarrava em toalhas e tentava conter a água antes que chegasse ao soalho de madeira (mas a água secou e o arroz ficou óptimo).
- O almoço teve cerca de uma horita de atraso, principalmente porque não me apeteceu interromper uma sessão de cócegas e risos na cama entre mãe e filha e correr para tachos e panelas logo que acordei e, é claro, o cabrito não percebeu nada dessas brincadeiras e não ficou pronto mais depressa só porque a cozinheira queria. Mas o sorriso com que o meu pai me brindou quando finalmente aparecemos em casa dele mostrou bem que esperar um bocadinho só tinha aumentado o apetite e a vontade de estarmos juntos.
- O padre que rezou a missa, ao fim da tarde, estava ainda mais chatinho do que de costume, desinspirado de tal forma na sua homilia que olhei para a minha filha, ela olhou para mim, e sorrimos, dando conta que estávamos ambas a pensar o mesmo: "Que grande seca!". E os cânticos que entoava levaram a que a verdade saísse, como sempre, de uma boquita infantil, talvez num tom um pouco alto demais: "Mãe, o padre canta tão mal!" Mas a falta de dotes de oratória e vocais era compensada, sem dúvida, pelo ar feliz daquele franciscano tão simpático, que no final da missa, apesar da idade já avançada, vem para a entrada da igreja cumprimentar quem sai e desejar a todos uma boa semana.
Um dia calmo, pois, de bom humor, dedicado aos que mais amo. A catarse escrita de ontem surtiu os seus efeitos, a tristeza foi-se embora. A cara feliz do meu pai mostrou que vale a pena; e quando ele insistiu em que fosse eu, e não a senhora que toma conta dele, a dar-lhe a comida que eu fizera, senti isso como um gesto de carinho tão grande...
É claro que paira no ar a saudade de quem já partiu, a tristeza pela doença. É tudo isso próprio da vida, afinal... É de algum modo o preço que se paga por se amar, por sentir, por crescer, por nos tornarmos adultos. Não há rosas sem espinhos, nem felicidades sem tristezas, nem, também, não o esqueçamos, infelicidades sem alegrias... Como diria Alberto Caeiro, num poema que já aqui citei:

Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se,
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva...


E o dia de hoje esteve cheio de sol.

Domingo de Páscoa

Os posts que só agora apareceram foram escritos ontem, pouco depois do anterior. Fez bem escrever: passou a tristeza. Passa sempre, felizmente. Como disse, não sou de ver tudo negro.
O dia está lindo, como um Domingo de Páscoa deve ser. Ressurrexit, non est hic - a espantosa verdade do Domingo pascal, motivo de alegria e esperança para todos nós. Uma Páscoa Feliz para todos.

sábado, abril 10, 2004

Para sempre

Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.

Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.


De Carlos Drummond de Andrade, um poema para a minha mãe.

A minha mãe

Sei que o que escrevi atrás tem um tom fortemente confessional. Mas hoje apetece-me escrever assim. E por isso falo da minha mãe.
Tem sido uma presença nos meus escritos, mas sempre de forma velada, de forma contida. Contava falar dela daqui por mais uns dias, por ocasião do seu aniversário - o quarto em que cá não está. Apetece-me fazê-lo agora.
No pouco que tenho dito a seu respeito, penso ter ficado bem patente o meu muito carinho, a saudade imensa; tão grandes, ambos, que em geral me calo, nada digo. De algum modo, as memórias dela são minhas, só minhas; guardo-as num cantinho muito escondido e preservado do meu coração. Dessas memórias, tento apagar quanto houve de feio nos seus últimos anos. Quanto doeu e quase destruiu a sua imagem. É o que mais me dói, o que mais me custa: quase ter perdido a memória da minha mãe tal qual ela era. Aos poucos, porém, e felizmente, é a autêntica imagem dela que se impõe.
A minha mãe era uma mulher pequenina e bonita, sobretudo quando sorria (um sorriso que se tem transmitido de geração em geração...). Meiga, generosa, nunca a vi a pensar nela - estavam sempre primeiro as filhas, o marido, os pais, os alunos, em tudo. Era professora do liceu, e devia ser uma professora excepcional, pois tantos anos depois ainda encontro antigos alunos que não a esqueceram, que se comovem ao saberem que ela já partiu deste mundo, que me contam episódios que ela protagonizou e que os marcaram para sempre. Que orgulho eu tenho nessas ocasiões...
A vida não lhe foi fácil. Viu morrer o seu primeiro filho com 6 anos, num acidente de automóvel; era o meu irmão mais velho, que nunca cheguei a conhecer, pois só nasci depois da sua morte estúpida. Agora que sou mãe, faço uma ideia do que ela deve ter sentido. Quando ela morreu, a par da ideia que ela estava finalmente em paz, consolou-me pensar que de novo tinha o meu mano nos braços - uma pequena pieguice, eu sei; mas bonita...
A minha mãe tinha doença de Parkinson. Como o Papa - por algum motivo eu não consigo olhar para ele, sempre que aparece na TV ou nos jornais. Conheço bem demais a rigidez da face e das mãos, a tremura, o balbuciar arrastado das palavras, o babar, a inexpressividade do olhar. Admiro imenso João Paulo II: ele dá a cara quando tudo nele se degrada, se destrói, a pouco e pouco mas sem remissão, sem retorno. A minha mãe escondia-se. Tinha vergonha de não ser mais a pessoa que era. É preciso uma imensa coragem para agir de outra forma, como o Papa faz, à vista do mundo inteiro.
A doença da minha mãe durou cerca de 15 anos. Na sua fase final, teve a alegria de ver nascer a primeira neta - a minha filha. Rejuvenesceu com isso, com a sua vontade de ajudar e de estar com a bebé, que tem o seu nome. Mas a doença rapidamente retomou o seu curso inexorável. A minha filha crescia e tornava-se autónoma, a minha mãe fazia o caminho inverso. Uma deixava de precisar de fraldas, a outra passava a usá-las. Uma começava a comer pela sua própria mão, a outra tinha de ser ajudada quando comia. Uma aprendia a andar, a outra perdia a capacidade de o fazer.
A minha mãe nunca deixou de saber quem eram as filhas, nem as netas - pois entretanto nasceu a minha sobrinha. Nunca me esquecerei como foi capaz de se virar na cama para ver o presépio que a minha filha fizera para ela, na véspera de morrer.
Menos ainda esquecerei que a minha mãe esperou por mim para morrer, nos meus braços. Foi a sua última prova de amor. E sei que ela está algures num Além que não sei como será, mas em que firmemente acredito. E que de lá me acompanha, livre já do corpo doente que a aprisionava. A minha filha diz que ela está numa estrelinha no céu. E às vezes ambas olhamos o céu estrelado e pensamos nela, e sorrimos-lhe, com o sorriso que ela nos deixou a ambas...
Desculpem a tristeza do que aqui deixo escrito. Mas estava a precisar de o dizer. No Natal, na Páscoa, estas memórias são mais vivas. As saudades também. No fundo, mesmo que só lá muito no fundo, todos nós somos meninos e queremos o colo da nossa mãe. Eu queria, muito...

Confissão

Se eu pudesse escolher, não havia comemorações de Páscoa, nem de Natal. Não para mim, não com almoço de família.
Estou farta de não poder escolher. Ou, se calhar, farta de escolher em prol dos outros, e não de mim.
Por uma vez, queria passar um Natal ou uma Páscoa sem vontade de chorar, sem doer. Há quantos séculos é que isso não acontece?
Faço das tripas coração, tempero cabrito para o almoço de domingo, faço pão-de-ló e folar, encho taças com amêndoas coloridas, preparo o serviço melhor para pôr na mesa, afinco um sorriso no rosto, estou animada e alegre... e espero que a noite chegue, para ficar sozinha e poder, finalmente, chorar.
Quem ler isto, depois do que ontem aqui escrevi, deve pensar que sou meio avariada da cabeça, ou pelo menos que tenho as maiores alterações de humor do mundo. Mas não. Quer dizer... se calhar sou mesmo desaparafusada, não digo que não; mas não é por isso que estou assim. O que está em causa, na verdade, é que depois de anos a fio a ver a minha mãe doente, cada vez mais doente, é a vez do meu pai, já há anos também. Depois de um, o outro. Estou farta de passar festas familiares a ter de dar a comida na boca a alguém que amo e que não é um bebé a crescer, mas um adulto a apagar-se aos poucos. Por mais que tente, por mais que já esteja habituada, dói. Dói por eles e por mim.
Na próxima festa, no próximo Natal, cá vou estar, de novo fazendo das tripas coração para que a minha dor não provoque mais dores nem a ele, nem à minha filha. Não fujo, nunca fugirei enquanto ele viver. Quando chegar a festa em que ele não comer pela minha mão, ou pela de outra pessoa, será porque ele já cá não estará. E vou nessa altura ter saudades destes momentos, os possíveis, os que restam. Os que, ano após ano, e apesar da dor, eu não falho. Mesmo que na véspera me apeteça desaparecer daqui, ou que no final vá encharcar de lágrimas a minha almofada.
Como entendo, agora, certas melancolias da minha avó, dos meus pais, quando eu era pequena demais para perceber o que se escondia por detrás das sombras que lhes toldavam por vezes o olhar, quando era Páscoa e Natal...

E porque estamos na Páscoa



Contrastando com os anteriores e muito profanos posts, uma imagem pascal. Retirada de um magnífico Livro de Horas que pertenceu a Henrique VIII.
Quem quiser apreciar a beleza de todas as outras páginas iluminadas que compõem este manuscrito, pode vir aqui. Encontra muito mais, para além desta obra-prima.

sexta-feira, abril 09, 2004

Homens... (2)

Para que não digam que só refiro actores já desaparecidos, que a minha musa predilecta me faz olhar para o passado e não para o presente, aqui fica outra foto. Mais uma vez, nada de azul. Mais uma vez, um homem bonito.
Estava uma vez a fazer "zapping" frente à TV, mesmo antes de me deitar, quando fiquei presa a uns olhos que me apareceram num filme que estava a dar. Fiquei a vê-lo até desoras. Não faço a menor ideia que filme era, mas nunca mais me esqueci do dono dos olhos. Chama-se Ben Chaplin.

Homens...

Uma brincadeira com o Boss fez-me falar de homens bonitos. E o Cary Grant foi um dos homens mais bonitos e com mais charme da história do cinema (na minha modesta opinião, claro). Protagonizou filmes de que gosto imenso, ao lado de belíssimas actrizes como a Katherine Hepburn, Grace Kelly, Audrey Hepburn, Ingrid Bergmann, dirigido por cineastas como Hitchcock. Por uma vez, fica aqui uma foto que não tem azul, mas cujo protagonista é um deleite para os meus olhos, em qualquer tom que seja...

E a vida é bela!!!!

É suposto as mulheres gostarem de andar às compras, mas eu não gosto. Muito menos em hipermercados, muito menos numa tarde de feriado em que apetece, isso sim, passear, ficar ao sol preguiçosamente sem fazer nada, nadinha... Mas pronto, lá fui eu fazer as compritas necessárias para a Páscoa, encher o cesto de amêndoas, mais o último volume do Babyblues que vai agradar mais à minha filha do que qualquer ovo de Páscoa (e em que só vou conseguir pôr os olhos quando ela acabar de o ler...). De caminho, deixei a garota em casa de uma amiga, e por isso estou sozinha.
E o dia está magnífico, e em dias assim não há nada, mas mesmo nada, que me faça deixar de sentir feliz, FELIZ!!!!!!!! Não há cadelas golden retriever, não há prendas que afinal nada queriam dizer e que teimosamente continuam dentro da minha carteira, não há doenças de empregada, não há tese interminável a rir, escarninha, para mim (já vou tratar-lhe da saúde), não há nada, nada, nada, que faça diminuir essa sensação maravilhosa de que estou viva e que a vida é bela e que vale a pena ser vivida, sentida, apreciada!
E, ao som bem alto dos Queen, danço. Devoro amêndoas cobertas de chocolate, penso que cumpro a abstinência de Sexta-Feira Santa de muitas outras maneiras e por isso posso comer amêndoas à vontade, que são muito pouco face ao resto de que me ando a abster. E vou trabalhar, sentindo que o sol brilhante, o calor, a alegria estão do meu lado e me dão energia, e força para tudo. A vida é bela, sim!!!!!!!!!!
(E agora, tese, aqui vou eu... Cuida-te...)

quinta-feira, abril 08, 2004

Amigos

Tenho os amigos mais fantásticos que imaginar se pode. Tão fantásticos que conseguem telefonar na hora certa, mesmo sem saberem que é a hora certa. E transformar uma cara triste num sorriso e dar força, mesmo à distância.
Não são muitos, os meus amigos. Aliás, nunca são muitos os verdadeiros, autênticos amigos, e é a estes que me refiro. Podemos estar longas semanas sem nos falarmos, mas retomamos a conversa sempre no ponto onde ficou, com a mesma confiança, o mesmo carinho, a mesma alegria. Sabemos, sem qualquer margem para dúvida, que se preocupam connosco e, se for preciso, aparecem como que por magia ao nosso lado, desde que os chamemos. Alegram-se connosco, ficam tristes por nós, estão ao lado. São a família que escolhemos. E eu tenho sorte, muita sorte, por ter os amigos que tenho.

Países Baixos

Ainda sob influência das paisagens flamengas, enquanto tento concentrar-me no trabalho, ouço Brel. Inevitavelmente, Le Plat Pays. Outra das canções em tons calmos que eu amo.

Avec la mer du Nord pour dernier terrain vague
Et des vagues de dunes pour arrêter les vagues
Et de vagues rochers que les marées dépassent
Et qui ont à jamais le cœur à marée basse
Avec infiniment de brumes à venir
Avec le vent de l'est écoutez-le tenir
Le plat pays qui est le mien

Avec des cathédrales pour uniques montagnes
Et de noirs clochers comme mâts de cocagne
Où des diables en pierre décrochent les nuages
Avec le fil des jours pour unique voyage
Et des chemins de pluie pour unique bonsoir
Avec le vent d'ouest écoutez-le vouloir
Le plat pays qui est le mien

Avec un ciel si bas qu'un canal s'est perdu
Avec un ciel si bas qu'il fait l'humilité
Avec un ciel si gris qu'un canal s'est pendu
Avec un ciel si gris qu'il faut lui pardonner
Avec le vent du nord qui vient s'écarteler
Avec le vent du nord écoutez-le craquer
Le plat pays qui est le mien

Avec de l'Italie qui descendrait l'Escaut
Avec Frida la Blonde quand elle devient Margot
Quand les fils de novembre nous reviennent en mai
Quand la plaine est fumante et tremble sous juillet
Quand le vent est au rire quand le vent est au blé
Quand le vent est au sud écoutez-le chanter
Le plat pays qui est le mien.

O homem põe e Deus dispõe (versão feliz)

Esta noite saí daqui com as boas intenções de ir para a cama ler a Rapariga do Brinco de Pérola. Pois... Fui espreitar a minha filha, que acordou. E olhava para mim com um arzinho suplicante... e aqueles olhos lindos pediam tanto, tanto, mesmo sem nada dizer... Fiz-me de tola. Já no quarto apareceu ela, de novo olhando, pedindo... "Vai lá buscar a tua almofada e a luzinha e vem dormir para o pé da mamã". Foi num pulo, feliz da vida. Não li, claro. E os meus olhos não descansaram tão bem, com a maldita luz de presença que não consigo desabituá-la de usar e que me incomoda. Mas dormi cheia de mimo, com uma mãozinha agarrada à minha, uma cara sorridente olhando para mim.

O homem põe e Deus dispõe

Este é um dos ditados mais verdadeiros que conheço. Nós organizamos a nossa vida, e depois tudo sai ao contrário. Mas para ser sincera prefiro pensar que Deus não é para aqui chamado. Ele deixa as coisas acontecer, isso sim. E elas acontecem, claro.
Não fui de férias neste tempo de Páscoa para me dedicar ao trabalho. Para poder estar em casa, sossegada, sem outras coisas em que pensar. Esperava tranquilidade, apesar de ser sempre uma tranquilidade em alerta. Eis que ela é quebrada. Uma pessoa doente, médicos, corridas para exames, finalmente urgências hospitalares, um provável internamento. Uma garota a mais cá em casa, à espera que os pais a venham buscar, de cascos de rolha, sei lá quando, sei lá como. A minha empregada a desdobrar-se em trabalhos que não lhe competem, mas que faz por ser uma jóia e saber que eu não posso. A perspectiva de na próxima semana não haver quem cuide do meu pai. A minha sensação de impotência face a tudo isto, porque não posso, mesmo, chamar a mim tudo quanto é preciso fazer; antes pudesse!
A cada vez que pensamos que a calma (relativa) veio para ficar, zás, acontece alguma. Ou melhor, umas atrás das outras. Há anos. Raios partam isto.

Desabafo (não leiam, s.f.f.)

Porra porra porra porra porra porra porra porra porra porra porra porra porra porra porra porra porra.

A Rapariga do Brinco de Pérola



Há uns dois anos, ao entrar numa livraria, a minha atenção foi captada pela capa de um livro de uma autora para mim desconhecida, Tracy Chevalier. Era o quadro acima que aparecia na capa. Não resisti: comprei o livro e li-o com imenso gosto, mergulhando por seu intermédio na vida (em grande medida ficcionada) e na obra (real) de um dos meus pintores predilectos, Vermeer.
Quando era miúda, ficava horas a folhear os vários volumes de uma História da Arte que havia lá em casa. Apaixonei-me então, irremediavelmente, pela pintura flamenga seiscentista, especialmente pelas paisagens, os moinhos de vento que se destacam de céus cor de chumbo, as desoladas cenas campestres e urbanas. Não sei bem porquê: se há século com que embirro é precisamente o XVII, um século triste, de gente austera vestida de preto, cheio de fanatismos, de intolerância da Reforma e da Contra-Reforma, de um Luís XIV que usava tacões altos pintados de cor-de-rosa e rendinhas pelas roupas fora. Mas é o século do genial Molière e dos tais pintores holandeses; entre eles, destaca-se, para mim, Vermeer e as suas cores, a sua luz.
O livro agradou-me, o filme, que lhe é bastante fiel, também. Por uma vez, achei que livro e filme se completavam lindamente. Passei cerca de 90 minutos deliciada, não só com os intérpretes e a história, mas ainda mais com a música, a reconstituição dos ambientes da época, e a luz, aquela magnífica luz filmada por um artista que merecia todos os óscares do mundo. Cada imagem parece recriar um desses quadros de que tanto gosto. Saí do cinema em estado de graça. E agora, apesar de ser tardíssimo, vou ler a Rapariga do Brinco de Pérola.

Onde se fala deste blog

Recebi um comentário há pouco que me agradou sobremaneira. Dizia um leitor que gostava do meu blog, porque nele sentia algo de genuino.
Se resumo aqui este comentário é porque ele constitui o maior elogio que podiam fazer à minha presença na blogosfera. Se transmito essa ideia a quem me lê, se consigo que sintam isso nas minhas palavras, então estou a ir pelo caminho certo. Porque, de facto, o "Um pouco mais de azul" quer ser genuíno, e quem o escreve reivindica tal característica para si como princípio de vida. Não invento uma personagem. Não faço de conta. Sou eu mesma. Calando a minha identidade, calando muitas outras coisas que não quero aqui expor, mas sendo sincera.
Ao ler os comentários que me deixam, tenho, eu também, uma sensação de autenticidade, de sinceridade, de verdadeira simpatia que me toca. Sabe muito bem. Provoca-me um sorriso rasgado e também ele, garanto, genuíno. Faz-me sentir, brincando de novo com o nome que dei a este espaço, não um pouco, mas muito mais azul. Muito obrigada.

quarta-feira, abril 07, 2004

Boletim meteorológico-laboral

O dia continua escandalosamente bonito. E eu continuo escandalosamente agarrada ao trabalho. Férias precisam-se, com urgência. Mas antes há que esfolar o que falta do bicho - e é conhecido o velho ditado que nos ensina ser o rabo o que mais custa a esfolar...
Enfim: "retournons à nos moutons", como dizia o tal inesquecível professor de francês. Entenda-se: inesquecível por ser um óptimo professor! Por acaso também era bem giro, pelo menos aos olhos dos meus 13/14 anos.

Uma pequena mas sentida prece

No mesmo blog que acabei de citar, encontro sempre (além de muitas outras coisas) frases bonitas, inesperadas, sínteses felizes que em poucas palavras dizem tudo. Como esta: "Shit happens. Love happens. Deus, não deixes nunca, nunca mais, que eles se misturem."

Primavera

Recolho deste blog uma citação de Baudoin (não faço ideia quem seja, assim de repente; também não interessa) sobre a Primavera:

"Mais l’air du printemps est une chose souple et tendre.
Les pores s’ouvrent, tout l’espace entre
en nous et nous nous répandons délicieusement en lui."

O dia está lindo. A luz que torna a cidade onde vivo tão especial na Primavera entra a rodos pela varanda do meu escritório. Uma vontade imensa de mandar o trabalho à fava e sair para passear, para deixar a Primavera entrar pelos meus poros e pelos olhos adentro invade-me. Preciso de convocar todas as minhas forças, mais a inspiração da musa, para me impedir de o fazer. No final da semana terei ganho o direito a passear. Agora há que me concentrar nos papéis que cobrem, de novo, esta secretária. Encontro uma citação apropriada ao lado da já indicada: "Je suis le germe du désordre", diz Paul Éluard; referir-se-ia ele a estes papéis invasores? Ou a mim?

Jorge Palma canta. Há pouco, era a "Estrela do Mar" - o que ainda me dava mais vontade de ir para a praia, procurar rochedos com pocinhas onde houvesse estrelas do mar, ouriços, anémonas de longos tentáculos. Era assim a praia da minha infância, no norte, povoada de rochas que escondiam mil criaturas do mar e cheirando ao cheiro forte do sargaço. Nenhum outro mar tem o cheiro do mar da minha infância.


 
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