Um pouco mais de azul

domingo, abril 25, 2004

25 de Abril

Quando se deu o 25 de Abril, andava na 3ª classe. Fui de manhã para a escola, como de costume. Vim a casa almoçar e já não voltei: não ia haver aulas de tarde por causa da revolução. Fiquei muito contente por não ir ao colégio e assim não ter aula de música - nunca entendi bem porque reagi assim, já que gostava de música.
Os meus pais resguardaram as filhas do que se passava; e nós eramos demasiado pequenitas, sobretudo eu, para percebermos ou nos interessarmos muito pelo que os jornais e a TV mostravam. As principais diferenças que senti foram ter -se passado a cantar nas aulas de música não apenas o hino nacional, mas também a Grândola e a Gaivota, e os velhos desenhos animados americanos terem sido substituídos por outros provenientes dos países de leste, apresentados pelo Vasco Granja, que eu achava parecido com o Bugs Bunny. Lembro-me também de uma série infantil polaca que dava ao sábado à tarde, chamada, creio, A pedra branca, cuja protagonista era uma menina que brincava no jardim com uma pedra branca; o pai dela costumava escrever um livro no ar com os dedos e, se bem me recordo, era por isso tido como maluquinho pelos vizinhos (não admira, de facto), o que levava a que a filha fosse troçada pelos colegas da sua idade, que cantavam uma canção a seu respeito que ainda sei trautear.
Lembro-me de outras coisas também desses tempos revolucionários, de forma parcelar, desconexa, como se fossem "flashes" na minha memória (que é estupidamente selectiva). As fardas camufladas dos militares. Imagens dos tanques. Os cravos vermelhos, de que não gostava (o cravo deve ser a única flor de que não gosto). Os telejornais durante os quais tinha de estar calada. Os discursos do Vasco Gonçalves. E as músicas militares, repetidas até à saturação, a que ganhei uma aversão que ainda hoje perdura. Recordações de uma garota de 8 anos que não fazia grande ideia do que se estava a passar e se preocupava muito mais com as suas brincadeiras e o seu pequeno mundo do que com a política.

Nos últimos dias, tenho ouvido músicas desse tempo. Dei comigo a ter saudades das vozes, das cantigas, sobretudo, talvez, do entusiasmo nelas patente. Estive a ouvir as canções revolucionárias frente a uma televisão sem som que mostrava imagens de Valentim Loureiro a dar autógrafos e com uma galinha branca na mão. Ao som da Grândola e do Depois do Adeus. Foi surreal.


 
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