Um pouco mais de azul

sábado, abril 24, 2004

Casamentos

Odeio casamentos. Se já não achava grande piada antes de me separar, agora tenho-lhes verdadeira alergia. Pior ainda: não consigo olhar para uns noivos sem me vir à mente a ideia de que daí por pouco tempo são capazes de se estar a separar; é muito feio pensar isso, eu sei, mas não consigo evitar.
É preciso dizer que, para mim, só o casamento religioso faz realmente sentido. Foi assim que me casei, pedindo a bênção divina para uma união que já estava feita, porque o "sim" tinha sido dito muito tempo antes, no dia em que tinhamos olhado fundo nos olhos um do outro e percebido que queríamos partilhar a vida. O dia do casamento foi apenas o oficializar desse propósito perante Deus e a sociedade.
Mas agora vem o busílis: um dia, fiz um propósito de vida em comum para o qual pedi a bênção divina. Não deu certo. Errar é humano, não é? A imperfeição faz parte do homem, não faz? Nem sempre conseguimos cumprir uma promessa, apesar de todos os esforços, pois não? Condena-nos a Igreja até ao fim dos tempos porque não cumprimos uma promessa? Se tiver sido uma promessa matrimonial, condena.
Quando me separei, tive alguma dificuldade em enfrentar o padre que tinha presidido ao meu casamento e que pertence à família. Tive receio que me viesse dizer que era errado tomar essa decisão e que devia resignar-me ao meu destino - garanto que, se alguém me tivesse dito tal coisa, naquela altura, teria recebido uma resposta muito pouco delicada sobre o que fazer à tal resignação. Felizmente, apenas me disse que acreditava que eu não teria tomado tal decisão de forma leviana; e eu suspirei de alívio. Mas já me foi sugerido que, se calhar, não houve verdadeiramente casamento, porque talvez uma das partes não tenha encarado o matrimónio como devia - a minha resposta imediata foi que houve, sim; mas deu errado. Porque não reconhecer que um casamento pode falhar, caramba?
Hoje fui a um casamento. Durante a homilia, depois de várias frases que soaram a oco sobre o amor conjugal, ditas por quem não faz a menor ideia do que é esse amor, o padre afirmou que os divórcios se dão porque as pessoas não se empenham verdadeiramente - foi a gota de água, saí da igreja. Magoou; senti que me passavam um atestado de leviandade que, de todo, não mereço. Se é um facto que o que ele disse é verdade em vários casos, não o é em muitos, muitos outros; é extremamente redutor pensar assim, e fere os sentimentos de quem já vive com a dor de ter falhado um projecto de vida.
Raios, que sabem os padres acerca do casamento ou do amor conjugal? Que sabem eles, ou quem nunca foi casado, do que é viver a dois? Que sabem das dificuldades que acompanham sempre a tentativa de harmonizar duas personalidades distintas? Que sabem de como tal é complicado, mesmo quando ambos se empenham verdadeiramente? Que sabem de quanto dói ver o amor morrer? Ou do inferno que é verificar que, não obstante o amor, se tornou impossível viver com o outro, apesar de se tentar do fundo do coração? Tenho por certo que, se os padres pudessem casar, o divórcio há muito seria aceite.
Acho hipócrita a postura da Igreja quanto ao casamento. Acho hipócrita que, como sei que se faz, se aconselhem o casamento apenas pelo civil para ver se resulta, de modo a não impedir que um dia se possam vir a casar pela Igreja. Acho hipócrita que um divorciado não possa ser padrinho de um casamento, mas se for divorciado de um casamento civil já possa. E ser padrinho de baptismo, será que autorizam? - acaba de me ocorrer tal pensamento. Se eu mantivesse um casamento de fachada e até coleccionasse amantes, continuaria dentro do aprovado pela Igreja, não seria considerada uma ovelha tresmalhada. Bastava uma confissãozita para tudo me ser perdoado. Isto é ou não hipocrisia?
Sinto-me, neste momento, como uma pária na minha Igreja. Mas não acredito que Deus desejasse que eu pagasse o resto da minha vida o preço de uma promessa que fiz de coração aberto, mas que não foi possível manter e que não dependia sequer apenas de mim. Não acredito mesmo. E assim me afasto.


 
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