Um pouco mais de azul

domingo, abril 18, 2004

In illo tempore...*

*Perdoe-se-me o plágio de Trindade Coelho; já agora, quem não conhece, leia o In illo tempore, para mim o melhor e mais divertido relato sobre a vida dos estudantes de Coimbra de Oitocentos.

Quando eu tinha uns 10-12 anos, o meu sonho era ser arqueóloga. Os meus livros predilectos dos Famosos Cinco eram os passados no navio naufragado, envolvendo velhas arcas, mapas de tesouros escondidos ou castelos arruinados. Ainda hoje prefiro, entre todos os álbuns do Tintim, O Segredo do Licorne e O Tesouro de Rackam o Terrível; e a minha predilecção muito especial pelas aventuras de Astérix tem muito a ver com o facto de se passar em tempos antigos e de envolver druidas e menires. Passava horas e horas a ler livros que falassem das descobertas de antigas civilizações, sobre o Egipto, a Suméria, as fantásticas descobertas de Schliemann, o desenterrar de Pompeia, a decifração de escritas antigas. Divertia-me a tentar ler hieróglifos, a procurar entender os símbolos da escrita cuneiforme. Enfim: devorava o que me chegasse às mãos sobre tais assuntos.
Não sei bem o que me foi afastando desses sonhos de criança e adolescente. Creio que, em boa parte, o ter tomado consciência de que, na maioria das vezes, os arqueólogos não encontram Tróias, nem túmulos de faraós, nem tesouros, mas sim vestígios muito mais modestos do passado humano. A aura de que se revestiam esses relatos foi perdendo um pouco do seu brilho, do seu efeito encantatório sobre mim. O manifesto desinteresse dos programas liceais quanto a tais matérias contribuiu também, decerto, para que o meu entusiasmo diminuisse. Salvou-se o gosto pela Pré-História; mas por pouco tempo.
O certo é que, quando ingressei na Universidade, a minha opção foi claramente História. Apenas História, não na sua variante de Arqueologia. Pensava, um dia, fazer as cadeiras necessárias para ficar com as duas licenciaturas. Mas tal acabou por não se verificar. Se estudei para as cadeiras do 1º ano dedicadas às civilizações pré-clássicas e clássicas com grande gosto, a verdade é que esse ano marcou também o final da minha paixão por essas épocas e temáticas. Marcou, especialmente, o fim do meu gosto pela Pré-História - o que um mau professor pode fazer: ao imenso gosto sucedeu-se uma quase aversão, que me custa, confesso, mas que nunca mais consegui vencer.
No ano seguinte, novos, sólidos e duradouros amores nasceram, substituindo, até hoje, as anteriores paixões. Mas cá dentro, bem lá no fundo, ficaram gostos latentes, adormecidos. Uma parte de mim gostava de os despertar - outra tem receio de o fazer...


 
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