Um pouco mais de azul

quarta-feira, março 31, 2004

Canções

Desanuviando do post anterior: sugere-me o meu caro e fiel comentador Old Ramon que fale de músicas de que gosto especialmente. A sua proposta ia no sentido de colocar aqui uma lista do meu top 10. Mas acontece que não tenho uma lista desse género. As músicas sucedem-se na minha vida, algumas permanecem sempre, mas quase sempre ligadas a acontecimentos, pessoas, momentos especiais. Já aqui deixei a letra de um bom número dessas músicas de que gosto muito, ou que me dizem muito. Tenho dificuldade em seleccionar umas em detrimento de outras, mas se tiver mesmo de o fazer, confesso que, há muitos anos já, ecoa na minha cabeça ao falar deste tema o "What a wonderful world" cantado pelo Louis Armstrong, cuja letra está algures aí para baixo. Já se tivesse de seleccionar um álbum, a escolha era imediata: o "Adagio" do Karajan. Um dia talvez explique porquê.
E vocês, que me lêem? Aceitem o desafio do Old Ramon e digam de vossa justiça.

A glória feminina

Com este título, publica João César das Neves uma crónica no DN. Devo dizer que ando em fase de aversão a jornais, que raramente leio; pelo que não sou leitora assídua do DN, muito menos dos escritos deste senhor, e a minha ignorância é tanta que apenas creio tratar-se de um professor universitário, conotado com posições bastante conservadoras, creio que próximas da Opus Dei. Mas até posso estar errada, e para o caso também não interessa. O que interessa é que, tendo-me sido chamada a atenção para esta crónica, fiquei perplexa ao lê-la, e sem saber se havia de levar aquilo a sério e me indignar, ou, pelo contrário, rebolar de riso dada a fina ironia que devia estar escondida por detrás das suas palavras.

Entendamo-nos. Não me movem intuitos de denegrir a Opus Dei ou de zurzir por zurzir os que nela se revêem. Eu não me revejo, e pronto, respeito os outros - mas já agora deixem-me confessar que nunca tenho tanta vontade de usar saias verdadeiramente minis e decotes verdadeiramente maxis como quando sei que vou estar na presença dos seus membros... Apresso-me a acrescentar (alarmada ainda pelo que se pode ler no anterior post) que tais vontades não costumam passar de inofensivas fantasias que não ponho em prática! Mas estou a sair do rumo que me norteava, "retournons à nos moutons", como diria um professor de francês que nunca esqueci.
Não me movem, dizia eu, intuitos de dizer mal por dizer, só por ser conservador e religioso. Mas sinceramente, a tal crónica cheirou-me de tal forma a naftalina, e a uma tão estranha naftalina... Tive a sensação de estar a ser, como mulher, comparada a Nossa Senhora. Ora eu sou demasiado imperfeita para me poder comparar à Mãe de Deus. Sou só uma mulher, e não me revejo, de modo algum, no que o referido senhor considerou a glória feminina. E nem sequer sou uma feminista acérrima e passo, em geral, por razoavelmente conservadora.

Vejamos o que é então afirmado. Primeira frase: "A mulher é no mundo a suprema criatura." Bem, eu cá acho que homem e mulher estão em plano de igualdade nessa matéria, se um for suprema criatura o outro também será; mas é um homem que o afirma, e eles, por vezes, gostam de nos adoçar a boca com afirmações deste género... Passa, apesar de parecer discurso de intenções mais ou menos sedutoras. Diz mais à frente que a mulher é "superior pela beleza, pela sensibilidade e intuição, até pela energia e resistência"; muito obrigada, mais uns piropos sabem sempre bem ao ego feminino, demasiadamente, até, por vezes somos umas tontas nesta matéria. Concordo que somos mais intuitivas, mais enérgicas e resistentes, de um modo geral.
Continuando: "Esta excelência feminina nem sempre foi reconhecida." Pois não, todos o sabemos. Até aqui, de acordo. Mas e o que vem depois? "Vivemos no tempo que mais distorceu e desprezou o lugar eminente da mulher". Como? Prossigamos, a ver se entendemos.
"Hoje o sucesso de todos mede-se pela economia, carreira e política. Felizmente a mulher ganhou aí um papel de destaque, apesar de ainda segregada. A igualdade de direitos foi uma conquista e é uma necessidade evidente. Mas a imposição de igualdade de funções esbate a superioridade feminina. Quando a humanidade põe a sua confiança nos temas externos, perde de vista a identidade e o centro da vida: amor, família, lar, felicidade." Concordo que o ritmo da vida de hoje remete para segundo plano a vida familiar, e que isso faz imensa falta e é uma das grandes causas dos problemas sociais existentes. Mas o que quer dizer "a imposição de igualdade de funções esbate a superioridade feminina"?
Vejamos se vem explicado mais à frente. Diz-se a seguir: "São hoje esquecidas e atacadas as duas razões mais próprias da glória feminina, o encanto da virgindade e a grandeza da maternidade." Não percebi, de novo. Então acima falava-se da igualdade de direitos conquistada, do papel cada vez maior assumido, e bem, pelas mulheres na sociedade, e agora diz-se que o que vale mesmo é a virgindade feminina e o facto de se ser mãe?
Entendamo-nos: quem já se deu ao trabalho de passear por todo o meu blog, vê o amor que tenho à minha filha, como nas minhas palavras transparece a imensa felicidade de ser mãe. Mas daí a falar da "grandeza da maternidade"... Lá está, soa assim um bocado a frase oitocentista, própria de uma qualquer revista de lavores do tempo em que era muito bom deixar as mulheres bem controladas dentro do universo caseiro. Lá está o tal cheiro a naftalina. Encaro o ser mãe não como uma "missão", mas como parte integrante de ser mulher, e como algo divertido, fantástico, uma aventura cheia de responsabilidades mas também de risos. Assim dito soa diferente, não é?
E desculpem, mas qual é "o encanto da virgindade"? Em primeiro lugar, para se ser mãe é preciso deixar de ser virgem primeiro. Salvo o caso de Nossa Senhora, claro, mas Ela é em tudo especial; e já agora, porque é que Maria tinha de ser Virgem? Não digo antes de conceber Cristo, isso eu compreendo. Mas porque é que os teólogos se andaram a afadigar a pensar que Ela permaneceu com o hímen intacto depois do parto? Algum dos que teorizou sobre o assunto já assistiu a um parto? Ou, mais ainda, já passou por um? Que raio de importância tem uma membrana que não serve para nada para provar a castidade e a pureza de Maria? E seria Ela menos digna de louvor se tivesse entregado o Seu corpo a José? A meu ver, não.

Mas deixemos a teologia. Na lógica do cronista, parece que a mulher ou é virgem ou é mãe para poder atingir a sua glória. De novo não concordo. De modo algum. E de novo isto me cheira a naftalina e a um pensamento reducionista. A maternidade realiza-me de uma forma muito especial, já o disse. O trabalho que faço realiza-me também, dá-me um gozo imenso, estimula a minha mente. A virgindade nunca me fez sentir realizada com coisa nenhuma. Já uma vida sexual activa realiza, e de que maneira, uma mulher - tal como um homem. Faz falta a ambos para encontrar aquele equilíbrio que nos faz felizes.
E agora pergunto: será a virgindade um valor em si? E a questão coloca-se apenas relativamente à virgindade feminina? E a virgindade masculina, já agora? Ou como é que os homens deixam de ser virgens, se as mulheres não deixarem de o ser também? São dois pesos e duas medidas? Será que a maior parte das vezes que os homens elogiam e louvam a virgindade feminina não o fazem com o egoísta desejo de serem eles os primeiros e únicos?
Este texto ficou longo e complicado, e incompleto também, porque mais haveria a dizer, só que já esgotei em muito o tempo que queria dedicar a este comentário. Farão por certo melhor os meus leitores não o lendo até ao final (devia ter avisado há mais tempo). Mas tudo isto me veio à mente ao ler esta crónica. Juntamente com uma sensação de que quem a escreveu vive num mundo diferente daquele que conheço. Perdoe-me João César das Neves, mas só pode ser isso.

Nocturno

Ando pior que um mocho. Deito-me estupidamente tarde. De manhã, claro, tenho sono, mas nem por isso ganho juízo e me deito mais cedo. Mas hoje valeu a pena ficar acordada até tarde. Sabe especialmente bem uma lufada de ar fresco em momentos que se adivinham de pensamentos complicados. Assim aconteceu hoje, inesperadamente. Em lugar de ficar a ruminar certas coisas que andam atravessadas na minha garganta (por pouco tempo, garanto), estive numa longa, animada e suculenta conversa. Que bom.

terça-feira, março 30, 2004

Esclarecimento aos incautos

Se chegam aqui vindos do Blog do Alex, pensando que encontrarão por cá alguma coisa parecida com a imagem a que ele deu o nome de Azulinha a nu, desenganem-se. São muito benvindos, estejam à vontade, mas por aqui não há nada disso. Sou demasiado friorenta.

Eu quero

Com a devida vénia, copio a letra de uma canção que o Jorge Mourinha deixou na sua Roda Livre, perguntando aos leitores quem não queria isto mesmo. Eu quero. Apesar de o meu tom dos últimos tempos andar algo pessimista, sou optimista por natureza; e as desilusões ainda não me fizeram desistir de acreditar - além de optimista, sou teimosa; ou persistente, como quiserem chamar-lhe.

I want somebody to share
share the rest of my life
share my innermost thoughts
know my intimate details
someone who'll stand by my side
and give me support
and in return
she'll get my support
she will listen to me
when I want to speak
about the world we live in
and life in general
though my views may be wrong
they may even be perverted
she will hear me out
and won't easily be converted
to my way of thinking
in fact she'll often disagree
but at the end of it all
she will understand me

I want somebody who cares
for me passionately
with every thought and with every breath
someone who'll help me see things
in a different light
all the things I detest
I will almost like
I don't want to be tied
to anyone's strings
I'm carefully trying to steer clear
of those things
but when I'm asleep
I want somebody
who will put their arms around me
and kiss me tenderly
though things like this
make me sick
in a case like this
I'll get away with it.


Martin Gore para os Depeche Mode, "Somebody" (1984)

(pequenina nota à margem: mudem o "she" para "he", no meu caso)

Decisões

Não há dúvida de que o final do mês de Março é a altura em que tomo decisões importantes. Que me lembre, é a terceira vez que o faço nesta altura. A de agora não é, de modo algum, fundamental como foram as outras. Mas é uma decisão, e importa para mim.

Um poema

Na minha caixa de comentários, foi deixado um poema de Herberto Helder. Gostei tanto que o transformo em post, agradecendo ao Old Ramon.

A Fonte

No sorriso louco das mães batem as leves
gotas de chuva. Nas amadas
caras loucas batem e batem
os dedos amarelos das candeias.
Que balouçam. Que são puras.
Gotas e candeias puras. E as mães
aproximam-se soprando os dedos frios.
Seu corpo move-se
pelo meio dos ossos filiais, pelos tendões
e órgãos mergulhados,
e as calmas mães intrínsecas senta-se
nas cabeças filiais.
Sentam-se, e estão ali num silêncio demorado e apressado,
vendo tudo,
e queimando as imagens, alimentando as imagens,
enquanto o amor é cada vez mais forte.
E bate-lhes nas caras, o amor leve.
O amor feroz.
E as mães são cada vez mais belas.
Pensam os filhos que elas levitam.
Flores violentas batem nas suas pálpebras.
Elas respiram ao alto e em baixo. São
silenciosas.
E a sua cara está no meio das gotas particulares
da chuva,
em volta das candeias. No contínuo
escorrer dos filhos.
As mães são as mais altas coisas
que os filhos criam, porque se colocam
na combustão dos filhos, porque
os filhos estão como invasores dentes-de-leão
no terreno das mães.
E as mães são poços de petróleo nas palavras dos filhos,
e atiram-se, através deles, como jactos
para fora da terra.
E os filhos mergulham em escafandros no interior
de muitas águas,
e trazem as mães como polvos embrulhados nas mãos
e na agudeza de toda a sua vida.
E o filho senta-se com a sua mãe à cabeceira da mesa,
e através dele a mãe mexe aqui e ali,
nas chávenas e nos garfos.
E através da mãe o filho pensa
que nenhuma morte é possível e as águas
estão ligadas entre si
por meio da mão dele que toca a cara louca
da mãe que toca a mão pressentida do filho.
E por dentro do amor, até somente ser possível
amar tudo,
e ser possível tudo ser reencontrado por dentro do amor.

Temas que me são caros em blogs de que gosto muito

Quem se interessar por temas relacionados com o ensino superior e a investigação, vá ao Fio de Ariana, ao Holocénico, ao Professorices e ao Que Universidade e leia o que por lá se escreve e comenta. Garanto que não dará o seu tempo por perdido. Eu não dou, muito pelo contrário.

segunda-feira, março 29, 2004

Esclarecimento

A lista das minhas leituras, que passou a estar patente ali ao lado, ainda não está completa. E está horrorosa, com esta letra tão grande, mas não sei como a pôr mais pequena (não sou naba, mas nabíssima nisto). Estou à espera de apanhar a jeito o meu técnico de informática; até lá, fica assim, com os acrescentos que puder ir fazendo à medida do meu tempo e da minha paciência, que não são muitos. Sobretudo à segunda-feira, o tal dia que detesto...

Música em final de serão

Fim de serão (estou de "fusos horários" meio trocados com isto da mudança da hora, de manhã vai ser lindo para me levantar) ao som de Lloyd Cole, Music in a foreign language. Estou com preguiça de procurar o link para este CD, de que gosto muito. É intimista e desencantado, olha para dentro de si. Combina com estes dias.
"Didn't I promise always to / shelter and protect you / Didn't I answer yes I do / Well, today I'm not so sure", canta Lloyd Cole. Já senti o mesmo. E depois disse "basta" e fechei a porta atrás de mim. Há um ano.

domingo, março 28, 2004

Como acreditar em utopias...

...depois de ler isto (de que tive conhecimento via Terras do Nunca)?
Leiam, por favor. É preciso. Lermos, indignarmo-nos, e fazer alguma coisa para que casos destes nunca mais ocorram.

Utopias

Hoje preciso de acreditar em impossíveis. Vários, dos profissionais aos pessoais. Este fim de Março está cheio de recordações complicadas, e a notícia que ontem referi continua a abalar-me. Preciso de utopias, de céus azuis (o que vejo pela janela está cheio de nuvens cinzentas), de imaginar outro mundo. Aqui fica uma bela utopia, imaginada por John Lennon. Não coincide totalmente com o que são, neste momento, as minhas preocupações mais imediatas (seja-me permitido olhar, de vez em quando, com mais atenção para o meu pequeno mundo do que para o mundo inteiro). Mas aqui fica o Imagine, que vou ouvir bem alto, para que não se consigam escutar as vozes amargas que andam por aqui a querer impor-se, e que eu não vou deixar vencerem.

Imagine there's no heaven
It's easy if you try
No hell below us
Above us only sky
Imagine all the people
Living for today...

Imagine there's no countries
It isn't hard to do
Nothing to kill or die for
And no religion too
Imagine all the people
Living life in peace...

You may say I'm a dreamer
But I'm not the only one
I hope someday you'll join us
And the world will be as one

Imagine no possessions
I wonder if you can
No need for greed or hunger
A brotherhood of man
Imagine all the people
Sharing all the world...

You may say I'm a dreamer
But I'm not the only one
I hope someday you'll join us
And the world will live as one

Lengalengas

Já que estou em maré de azul bebé, fica aqui a indicação de um outro blog, onde se fala de literatura infantil e se indicam sites sobre o tema. Quando quiserem comprar um livro para os mais pequeninos, espreitem primeiro as Lengalengas e outras histórias, da Alice. E mesmo que não queiram comprar nenhum, mas apenas gostarem de livros para crianças, vão lá ver. Vale a pena.

Azul bebé

Estou, como disse no anterior post, triste, incomodada, raivosa com a notícia que referi. Tenho imenso que fazer, e não me apetece fazer nada, nem sequer ir dormir. Passeio, por isso, pelo mundo dos blogs. E descubro dois que me arrancam um sorriso rasgado, que transformam o azul escuro em azul bebé.
Um deles é escrito pela mãe de um menino de 3 anos, contando os pequeninos episódios da sua vida com uma ternura transbordante no O meu filho e eu.
O outro é escrito por um pai. Um pai novato, cheio de receios e dúvidas, como tem mesmo de ser, cansado como só entende quem sabe como pode ser absorvente tratar de um recém-nascido, que regista o que pensa e sente sobre o seu filho pequenino, de uma forma linda. Encontram os seus relatos no Um ano de ti.
Que pena não existirem blogs quando a minha filha era bebé... Bem, para ser sincera talvez não tenha feito diferença: suspeito que teria adormecido sobre o teclado em lugar de escrever...

sábado, março 27, 2004

Azul escuro

Fiquei assim, de azul escuro na alma.
Já aqui falei, em tempos, da tristeza que me dá ver pessoas dinâmicas da minha área a enveredarem por outros empregos, por causa da falta de oportunidade de trabalharem naquilo de que gostam e que estudaram para um dia poderem fazer.
Hoje fiquei a saber que um grande, grande amigo desistiu. O meu grande companheiro de sonhos e projectos (uns loucos, outros factíveis, mas sempre pensados para serem realizados em colaboração estreita um com o outro) acabou por reconhecer que se quer ser feliz tem de pensar em fazer outras coisas. Porque assim não tem estabilidade, não tem futuro - e ele quer, como toda a gente, levar a vida para a frente.
Desejo-lhe a maior sorte, continuo ao lado, sempre, incentivo-o nesta mudança de rumo. Mas sinto-me amputada do meu braço direito. Sinto que o meu trabalho vai ficar menos azul. Mais escuro.
Bem mais escuros, porém, são os meus pensamentos sobre a política de investigação neste país, o desprezo a que são votadas áreas que deveriam ser acarinhadas porque têm a ver com a valorização e conservação do que é a nossa memória colectiva, o dinheiro que se desbarata em centros de investigação que não cumprem as suas missões, e tanta, tanta coisa sobre a qual evito falar neste espaço...

Mais uns links a registar

São links que muito prezo. O do BotaAcima, das Renas e Veados (que me colocou entre os Feelings, fazendo-me recordar a Barbra Streisand) e o da Rua da Judiaria (surgindo aqui entre os Salmos, sítio muito bonito para se estar).
Não refiro os links que são feitos ao Um pouco mais de azul por uma mera troca de galhardetes bloguística. Agradeço-os sinceramente. Envaidecem-me e honram-me. Fazem-me sentir que, afinal, o que aqui deixo escrito faz algum sentido.
No caso da Rua da Judiaria, seja-me permitido dizer que o link me honra de uma forma muito especial. É que se trata de um dos blogs de que mais gosto. Pela sobriedade e a inteligência, pelo que me faz reflectir, pelo que me ensina, pelo abrir de portas para um mundo que sempre me atraiu, apesar de nunca me ter deixado levar demasiado por essa atracção. Às vezes há matérias que preferimos não aprofundar, pelo receio de se tornarem verdadeiras paixões. Tem sido o meu caso, relativamente à história do judaísmo. Mas não foi por certo à toa que um dia escolhi Hebraico como cadeira de opção do meu curso (será melhor acrescentar que pouco aprendi, dado que foi só um ano e que o professor fez o favor de faltar a cerca de metade das aulas, e que já esqueci praticamente todo esse pouco que sabia).

Animais nossos amigos

"Que bonitos, que engraçados,
os passarinhos,
se estão casados
dentro dos ninhos,
e vão criando, com mil cuidados,
os seus meninos."

Lembro-me destes versos dos Animais nossos amigos , de Afonso Lopes Vieira sempre que vou à cozinha. Na sua gaiola, o casal de canários com que a minha filha e eu partilhamos o dia-a-dia atarefa-se em torno do ninho. Foi feito com todo o cuidado pela canária, que nele colocou 3 ovos minúsculos e azulados. Leva a preparação da maternidade muito a sério, quase nunca se levantando do ninho. O canário vai para o poleiro mais próximo, e pia docemente, baixinho. Quando ela sai do ninho para comer (e diga-se que, se não encontra algum dos alimentos que deseja, reclama num piar ininterrupto até irmos satisfazer os seus desejos), ele substitui-a, ficando sobre os ovos todo o tempo que ela anda por fora.
A minha filha está, naturalmente, encantada com tudo isto. Eu também. Se houver um aumento da família, prometo o relato.

sexta-feira, março 26, 2004

Eu, mãe babada e orgulhosa, me confesso

Sou-o, assumidíssimamente (nunca teriam dado por ela se eu não o dissesse com todas as letras, claro). Mas tenho razões para isso. Para além de todas as outras (algumas impossíveis de traduzir por palavras), por estas que passo a expor. Que mãe não ficaria orgulhosa da filha que tem 100 e 99% nas provas de avaliação de final do período? Que mãe não sorriria de orelha a orelha quando a professora da filha a elogia e fala das suas redacções bem escritas e cheias de imaginação?
É tão bom ser mãe.

Filhos & adopções

Já agora, continuando de alguma forma o tema iniciado no post anterior .
Nos últimos tempos, muito se escreveu em torno da adopção de crianças por homossexuais. As palavras do Boss a esse respeito tocaram cá dentro. Há quem diga que a escolha pela homossexualidade é a escolha de uma relação forçosamente estéril; de facto, dois homens não podem dar vida a um filho, como duas mulheres também não. Mas o desejo de ser pai ou mãe existe para além da possibilidade prática de o concretizar - que o digam todos os heterossexuais que não o são, todos os casais estéreis, todos os que optaram pelo celibato, por exemplo... Não venham com o disparate de pensar que um casal de homossexuais não seria capaz de dar a uma criança o amor e a atenção necessários para que ela cresça feliz. Ou que pai e mãe são absolutamente indispensáveis para o crescimento harmonioso de uma criança - ou mal estariam todos aqueles que perderam um dos progenitores, bem como os filhos de casais divorciados. E não digam também a palermice de que ser criado por homossexuais leva alguém a sê-lo também - os gays neste momento existentes no nosso país que não provêm de famílias "tradicionais" devem ser uma escassíssima minoria.
Achei de uma grande ponderação as palavras que o Filipe Nunes Vicente escreveu a este respeito no post com o título "O sexo do filho", no Mar Salgado. O tema já passou da ordem do dia da blogosfera, bem sei, mas vale a pena ler.

Ainda outra coisa.
Há tempos, afirmei aqui que gostaria de um dia vir a adoptar um filho. É verdade, gostaria imenso de o fazer. Não sei se terei coragem, não sei se me deixarão fazê-lo. Sou divorciada. Não faço parte do grupo dos melhores candidatos a pais. Não duvido nem por um minuto da minha capacidade para, mesmo sozinha, criar um filho - a melhor prova disso tem 9 anos, está neste momento na escola e dá mil beijinhos por dia, pelo menos, à sua mamã. Mas serei sempre uma 2ª, 3ª, 4ª escolha. Concordo que se procure dar a uma criança que já teve a infelicidade de não poder viver com quem a pôs no mundo as melhores condições possíveis, e que por isso se privilegiem casais, etc, etc, etc. Mas fica um certo gosto amargo na boca, quando penso nisso. Por este pequeno amargo de boca penso conseguir avaliar (ainda que imperfeitamente, claro) o que sentirá um homossexual que ouve alguém dizer que uma criança órfã estaria melhor enfiada numa instituição (já agora como a Casa Pia...) do que entregue a si, apenas por causa da sua opção sexual.

Renas e veados

Nestes últimos dias, fruto de uma imensa necessidade de relaxar antes de voltar a arregaçar as mangas e regressar em pleno ao trabalho (melhor, a uma parte do trabalho, a que faço em casa), tenho passado muito tempo a ler blogs e os respectivos comentários. O blog citado é um assumido blog gay. Não gosto do eufemismo inglês: é o blog de dois homossexuais. Um deles, o Boss, é um activo comentador de vários blogs. Ontem à noite li tantas coisas escritas por ele, sobretudo em comentários deixados no Midrash, que resolvi escrever aqui a este respeito.
Devo começar por dizer que não entendo a homossexualidade. Não a estou a julgar, não estou a ser homofóbica ou coisa parecida, apenas a confessar que não percebo que graça pode achar uma mulher noutra mulher, um homem noutro homem; não entendo, pronto. Não sou assim. Mas o facto de eu não ser assim nem entender não significa que aponte o dedo a quem o é ou o olhe de lado por causa disso.
Também devo dizer que o meu contacto com o mundo da homossexualidade é muito pouco, e que tenho uma certa repulsa por comportamentos "abichanados", por paradas gays, etc. (Também tenho o receio de poder ferir a susceptibilidade de alguém ao dizer isto, mas a minha intenção não é escrever algo "politicamente correcto", e sim ser sincera).
Porque me meti eu, afinal, neste tema? Porque ler o que o Boss escreve, no blog e mais ainda nos seus comentários, me tem feito reflectir. Pela primeira vez, leio o que pensa um homossexual que se assume como tal e fala com imensa sinceridade, inteligência e sensibilidade. Pela sua postura, pelo que escreve e como escreve, criei um enorme respeito por este homem (que não faço ideia quem seja, diga-se). E olho, agora, para o "mundo gay", chamemos-lhe assim, de uma forma diferente, com muito mais respeito, muito mais de igual para igual. Obrigada, Boss.

quinta-feira, março 25, 2004

Preguiça, Liberdade & Paixão

Não me apetece trabalhar. Nada. Nadinha. O dia está lindo, o sol entra pela varanda deste escritório virado a sul. Forço-me a olhar para o que tenho de fazer. E não me apetece, pronto. Tudo serve de pretexto para me desconcentrar. Até vir aqui deixar um bocado da "Liberdade" de Pessoa, que ilustra tão, mas tão bem como me sinto:

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler e não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

(...)

O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...


PS - Por falar em Cristo: não vou ver a Paixão. Não me apetece assistir a martírios pormenorizados de ninguém, nem mesmo d'Ele. Quando vou ao cinema, quero espairecer e passar umas horas relaxada, não ver sangue a jorros ou sentir-me atropelada por um tanque de guerra. A história do Seu martírio está na Bíblia, vou lê-la, com a minha filha, na Semana Santa. Não preciso de mais. E não entro em polémicas sobre anti-semitismos ou radicalismos católicos, já muita gente escreveu, e muito bem, sobre o assunto (vejam-se, por exemplo, o Aviz, a Rua da Judiaria, as equilibradas palavras do Pedro Mexia).

Shrek & História

Recordei hoje de manhã esta frase brilhante de Marc Bloch: "Le bon historien [...] ressemble à l'ogre de la légende. Là où il flaire la chair humaine, il sait que là est son gibier."

(Para os leigos na matéria: Marc Bloch foi um dos principais responsáveis por uma profunda renovação da História no século XX. Morreu às mãos dos nazis.)

quarta-feira, março 24, 2004

Onde se fala de Brel e de velhice

Anda o Causidicus a publicar as letras de várias das canções do Jacques Brel, de quem tanto gosto. A ele se devem , na minha opinião, algumas composições geniais. A minha preferida, que já aqui transcrevi, é "Voir un ami pleurer". Ocupa um lugar especial também na lista das minhas preferências o "Ne me quitte pas", que, confesso, evito ouvir; como um amigo há dias me dizia, nessa canção ele canta coisas demasiado verdadeiras para serem suportáveis.
Podia-se dizer isso também de uma outra, "Les vieux", carregada de verdades cruas mas simultaneamente ternas e inevitáveis. Lembro-me deste cru e certeiro retrato do final da vida ao terminar o dia de aniversário de uma pessoa de cuja família já não sou, e que está doente.

Les vieux ne parlent plus ou alors seulement parfois du bout des yeux
Même riches ils sont pauvres, ils n'ont plus d'illusions et n'ont qu'un cœur pour deux
Chez eux ça sent le thym, le propre, la lavande et le verbe d'antan
Que l'on vive à Paris on vit tous en province quand on vit trop longtemps
Est-ce d'avoir trop ri que leur voix se lézarde quand ils parlent d'hier
Et d'avoir trop pleuré que des larmes encore leur perlent aux paupières
Et s'ils tremblent un peu est-ce de voir vieillir la pendule d'argent
Qui ronronne au salon, qui dit oui qui dit non, qui dit : je vous attends

Les vieux ne rêvent plus, leurs livres s'ensommeillent, leurs pianos sont fermés
Le petit chat est mort, le muscat du dimanche ne les fait plus chanter
Les vieux ne bougent plus leurs gestes ont trop de rides leur monde est trop petit
Du lit à la fenêtre, puis du lit au fauteuil et puis du lit au lit
Et s'ils sortent encore bras dessus bras dessous tout habillés de raide
C'est pour suivre au soleil l'enterrement d'un plus vieux, l'enterrement d'une plus laide
Et le temps d'un sanglot, oublier toute une heure la pendule d'argent
Qui ronronne au salon, qui dit oui qui dit non, et puis qui les attend

Les vieux ne meurent pas, ils s'endorment un jour et dorment trop longtemps
Ils se tiennent par la main, ils ont peur de se perdre et se perdent pourtant
Et l'autre reste là, le meilleur ou le pire, le doux ou le sévère
Cela n'importe pas, celui des deux qui reste se retrouve en enfer
Vous le verrez peut-être, vous la verrez parfois en pluie et en chagrin
Traverser le présent en s'excusant déjà de n'être pas plus loin
Et fuir devant vous une dernière fois la pendule d'argent
Qui ronronne au salon, qui dit oui qui dit non, qui leur dit : je t'attends
Qui ronronne au salon, qui dit oui qui dit non et puis qui nous attend.


Mais uns quantos agradecimentos

Dei conta que este blog azul foi objecto de menções e links noutros blogs. Agradeço por isso ao Trenguices que ainda mal conheço, ao Digitalis onde se encontram tão belos poemas, aos interessantes Ecos da Província (eu também moro na província) e ao meu "professor" de música do Periscópio.

O amor em paz

Estou a ouvir uma canção brasileira de que muito gosto; tenho-a aqui no computador sussurrada ao meu ouvido pelo João Gilberto e na doce voz da Paula Morelenbaum. Tem o título acima indicado, e a letra linda que se segue, e que tanto me diz. Uma boa noite para todos, ao som desta canção.

Eu amei,
E amei ai de mim muito mais
Do que devia amar
E chorei
Ao sentir que iria sofrer
E me desesperar

Foi então
Que da minha infinita tristeza
Aconteceu você
Encontrei em você
A razão de viver
E de amar em paz
E não sofrer mais,
Nunca mais
Porque o amor
É a coisa mais triste
Quando se desfaz
O amor é a coisa mais triste
Quando se desfaz


(Tom Jobim/Vinícius de Moraes)

terça-feira, março 23, 2004

Pesquisas e pílulas

Algumas pesquisas no Google trazem leitores a este blog. Em geral, procuram o poema "Um pouco mais de azul", como seria de esperar. Os casos mais originais giram em torno da pílula - palavra que referi uma vez. Num deles, buscavam "pílula alegria" - se a encontrarem, por favor, avisem, gostaria imenso de arranjar uma reserva delas para os momentos em que a boa disposição falha. Num outro, alguém tentava saber "como tomar a pílula sem os meus pais saberem" - aqui, menina que tal procuravas, não encontras resposta para isso. Mas, se me permites dizê-lo, que bom seria que os teus pais soubessem, que tu fosses capaz de lhes contar e de lhes pedir a opinião sobre o assunto.
Um dia, daqui a menos tempo do que eu gosto de imaginar, será a minha filha a pensar em tais coisas (a simples ideia faz-me arrepios, confesso). Que ela confie em mim o suficiente para ser capaz de se abrir comigo; que eu saiba merecer a confiança dela para ser sempre, como agora, a mãe-amiga a quem tudo pode contar, porque tudo procura entender e explicar.

Já agora, para que quem aqui voltar em busca de informações sobre a pílula: tem efeitos secundários que os médicos em geral se esquecem de mencionar, talvez por não serem considerados graves. Não me refiro a riscos de trombose, etc, etc, etc, é claro. Refiro-me a outros, que não costumo ver realçados pelos médicos, talvez, repito, por não serem considerados graves. Não são graves uma ova!!! A pílula pode mexer de forma desastrosa com o equilíbrio hormonal das mulheres. Como uma amiga minha dizia, aliviadíssima depois de ter deixado de a tomar, o maior efeito anticoncepcional que a pílula lhe provocava era um imenso desinteresse pelo acto que poderia levar à concepção (que complicado eufemismo arranjei...). Confesso ter ficado satisfeita com o que ela me disse; afinal, não fora só comigo que isso se passara. Desculpem a nota pessoal, mas talvez sirva de alguma coisa falar neste assunto. "Pílula, nunca mais" foi em certa medida o meu grito do Ipiranga, por mais paradoxal que isso possa parecer.

1000

A mente humana tem uma especial atracção pelos números "redondos". 1000 é talvez o que mais nos atrai. É a ele que recorremos para exprimir grandes quantidades, nos nossos exageros quotidianos: "disse-te 1000 vezes", "pega 1000 beijinhos", exemplos que de repente me ocorrem entre 1000 outros possíveis. Ao ano 1000 associam-se os terrores do fim do mundo, e 1000 anos depois foi o que se viu, com a histeria em torno do ano 2000 e as impagáveis comédias sobre o final do milénio.
1000 marca o contador das visitas ao "Um pouco mais de azul", neste preciso momento. Os números redondos são mesmo bonitos. Um grande sorriso, em tons fortes de azul luminoso, como o dia de hoje, para quem por cá passa.

O meu pai

Dou-me agora conta de que passou o dia do pai. Não ligo muito a "dias de...", confesso. Não é no dia do pai que gosto mais do meu pai; nem no dia da criança que descubro que os garotos existem; e tenho uma particular embirração pelo dia da mulher, que gostaria muito mais que não tivesse necessidade de existir (já que seria sinal de que a igualdade de oportunidades, de tratamentos, de direitos existia de facto) e serve por vezes para hipócritas declarações em favor do sexo feminino que no dia seguinte dão lugar à falta de partilha dos trabalhos domésticos, etc, etc, etc. Mas o dia do pai é o dia do pai. E este passou sem que eu tivesse dedicado umas linhas ao meu pai, coisa que já há muito queria fazer. Por isso, apesar do adiantado da hora, aqui vai disto.
Sou parecida com o meu pai, tanto fisicamente como na forma de falar (com as mãos a dizer quase tanta coisa como a boca), como na forma de organizar o raciocínio (de uma forma obrigatoriamente clara). Sou também muito diferente dele na maneira de ser. Não concordo com muitas das suas posições e da sua forma de encarar o mundo. Sempre nos pegámos um pouco, sobretudo quando, ao crescer, eu me fui revelando diferente dele. Foi um pai maravilhoso na minha infância, não conseguiu entender grande coisa de mim quando passei a adolescente e, depois, a adulta. Mas esteve sempre ao meu lado, e continua a ser o meu ponto de referência no que a probidade, honestidade, rectidão de carácter diz respeito. Tenho muito orgulho em ser sua filha e em encontrar em mim qualidades que sei herdadas dele. Sei quanto se orgulha desta filha, a mais nova, a que mais de perto seguiu os seus passos. E eu orgulho-me, muito, de ser sua filha.
Hoje, o meu pai é uma sombra do que era. Há anos que está inválido, numa situação que me dói, todos os dias. Dói ver o homem independente e orgulhoso numa situação de total dependência. Ver o homem que tão bem falava com dificuldade de articular uma frase inteira, apesar da lucidez se manter. Dói saber que pouco posso fazer para melhorar a sua situação.
Mas sabe sempre bem vê-lo contente porque lhe conto as últimas "façanhas" da neta, de quem ele tanto gosta. Sabe bem dar-lhe um beijo e receber outro, muito terno, em troca. Sabe bem ver o seu sorriso. No fundo, apesar de tudo quanto dói, sabe muito, muito bem tê-lo ao meu lado ainda.
Gosto de recordar as brincadeiras da praia, quando ele tinha a infinita paciência de ir apanhar peixinhos connosco; as imensas vezes em que largava o trabalho para escrever, com a sua letra bem desenhada, as etiquetas que identificavam os nossos livros escolares, ou para desenhar casinhas para as filhas brincarem; as tardes frias de Inverno passadas a ler-nos romances da Enid Blyton, enroscados num sofá, com uma grossa manta sobre as pernas; as idas para a cama em que ele nos lia contos tradicionais recolhidos por Leite de Vasconcelos, ou nos contava velhas histórias de quando era estudante. Gosto de poder recordar tudo isto enquanto ele está vivo, enquanto é possível apertar-lhe a mão e partilhar com ele essas memórias.
Daqui por uns meses, num passo muito importante da minha vida, ele não vai poder estar fisicamente ao meu lado. Mas vai estar num especialíssimo lugar, dentro do meu coração; e vai ser ele quem me irá inspirar, não duvido disso.

No final de um longo dia

É tarde, tardíssimo. Depois de um longo dia cheio de trabalho, o serão foi dedicado a fazer muito pouca coisa: relaxar, escrever mails, conversar ao telefone com um grande amigo sem preocupação de horas - um daqueles amigos raros, que nos entendem antes ainda de explicarmos, que pulam de alegria com os nossos sucessos, que sentem as nossas mágoas, que estão sempre ao lado. Que bem soube esta conversa!
Soube muito bem, também, vir depois espreitar o blog e encontrar os comentários ao meu último post. Já o disse: não sei porque é que alguém lê o que aqui escrevo. Não digo nada de especial, falo de coisas pequeninas, minhas, que não interessam a ninguém, limito-me a registar o que me vai passando pela cabeça, porque me apetece, mais nada. Não escrevo isto com qualquer falsa modéstia, antes com a perfeita noção de que gostaria de ter tempo e disponibilidade para deixar no blog textos mais densos, mais interessantes. Mas, pelos vistos, há quem goste mesmo de ler este espaço em tons de azul; tenho um restrito mas fiel número de leitores que por aqui vem passando, dia após dia. Hesitei muito em colocar um sistema de comentários no blog; agora, ao ver o que me têm escrito, fico contente por ter decidido dar a quem me lê a possibilidade de comentar. Tenho recebido palavras tão simpáticas, tão calorosas... Palavras que tornam o azul mais brilhante, garanto-vos, e que agradeço do fundo do coração.

segunda-feira, março 22, 2004

Reflexões em torno de um blog

Olho para o que aqui tenho escrito, e verifico que não tenho tido tempo para mais do que posts muito curtos. Não era essa a minha ideia inicial, mas na verdade o tempo e a disposição não têm proporcionado possibilidade para mais me estender. Isto começa a ter o aspecto de uma espécie de diário que não pretendi dar-lhe. Parece que o blog ganha uma vida e uma dinâmica próprias, que ultrapassam a vontade do seu autor...

domingo, março 21, 2004

Azul como o mar

Foi, de facto, um fim-de-semana intensamente azul, como o mar. Uma estreia a velejar fantástica, formidável, intraduzível por palavras. Estou, como se pode imaginar, exausta. Mas com a alma cheia da força das vagas, do barulho do vento, de espuma do mar. Até amanhã.

sexta-feira, março 19, 2004

E o dia acabou...

... e eu não tive tempo para escrever o "post" que tinha pensado. Não sei se o conseguirei fazer antes de segunda-feira. O fim-de-semana adivinha-se diferente do habitual, longe da rotina caseira. Esperemos que assim seja, e que seja bom. E azul, muito azul, como o mar.

quinta-feira, março 18, 2004

Tapetes de rato

A minha secretária quase brilha, limpinha e despojada da imensa quantidade de papéis que a cobria, finalmente (e por pouco tempo). Acabo de colar cuidadosamente o meu tapete do rato, cuja parte de cima andava a querer descolar e pelo qual tenho uma especial predilecção. É redondo e tem um pormenor lindíssimo de uma pintura antiga, representando umas mãos folheando um livro. Cada vez mais há tapetes de ratos muito bonitos e originais. Como são os vossos "mousepads", caros leitores?

Pequenas anotações à margem do acto de arrumar

Porque será que no meio de livros, folhas, separatas, canetas e papéis de rascunho, encontro constantemente "vestígios" de uma certa menina de olhos da cor deste blog?

A minha filha tem o seu cantinho no meu escritório. E vem cá mil e uma vezes só para dar um beijo à mamã, que se derrete sempre com estas visitas. Como é uma menina inteligente, já há muito tempo que me pergunta porque é que eu não mudo de profissão e me deixo disto de fazer uma tese...

As arrumações prosseguem. Já se vê a cor da madeira da secretária e o ar pós-vendaval desta divisão vai-se atenuando a pouco e pouco. Ao som de mais Bach, A Arte da Fuga. Sempre que ouço este CD recordo quem mo sugeriu, o meu caro amigo Vasco, um dos autores do primeiro blog que visitei - este.

Um mês depois

Este blog faz hoje um mês. Quando tiver acabado de arrumar toda a tralha que povoa o meu escritório, escreverei sobre o assunto. Fica desde já assinalada a importantíssima (!) efeméride, de qualquer forma. É que a tarefa que me aguarda pode ser bem demorada, e entretanto passar o dia sem ter mais oportunidade de aqui escrever...

Bach

Para mim, poucas músicas conseguem ser mais belas do que a ária da suite nº 3 em ré maior de Bach. Os escassos 6 minutos que dura conseguem sempre, sempre acalmar-me, encher a minha alma de paz.
Dizia a mulher de Bach que no céu tinha de haver a música do marido, ou não seria verdadeiramente o paraíso. No céu que eu imagino existe esta ária, sem a menor dúvida.

quarta-feira, março 17, 2004

Uma surpresa

Acabei de receber uma prenda. Linda. Inesperada. Não vou dizer o que foi. Apenas que estou com um sorriso imenso. Quando o humor não é de cão (ou seja, quase sempre, felizmente) eu sorrio sem esforço; neste momento a haver um esforço, seria no sentido de diminuir o tamanho do sorriso!
É tão bom receber uma prenda assim!

Sestas

Vantagens da sesta: é uma delícia, quando se chegou ao fim de um trabalho árduo e se está estafado depois de uma noite quase sem ir à cama, sempre a trabalhar.
Desvantagens da sesta: a imensa dificuldade em acordar, levantar da cama e, depois de finalmente ter conseguido as duas últimas coisas, fazer alguma coisa de jeito por se estar com uma imensa moleza.

Missão cumprida (parte II)

Sabe bem chegar ao fim de uma tarefa difícil e vê-la ficar para trás. O alívio compensa o sacrifício dos últimos dias.

segunda-feira, março 15, 2004

Já passou

Felizmente, as minhas crises de humor de cão passam depressa. Desconfio que o meu tom mal humorado até afastou os simpáticos leitores que costumam visitar este blog e aqui deixar algum comentário (mulher furiosa é terrível, assusta qualquer um, eu bem o sei...) - mas já passou.
É bem melhor estar bem disposta!

Uma canção que é um desejo de sentir assim

Tenho o rádio do carro sintonizado no Rádio Clube Português. Ainda não tive paciência para programar os botõezinhos do aparelho (o carrito é novo), que só apanha, para já, umas rádios locais meio pirosas, por isso vou mantendo-o sintonizado ali. À custa da dita rádio, nos geralmente curtos percursos do meu dia-a-dia tenho ouvido Rita Lee, Gal Costa, as "Borbujas de amor" do Juan Luis Guerra que me lembram os tempos da Faculdade. Nesta manhã ensolarada mas de humor de cão (coitados dos cães, porque dizemos nós isto?), fui surpreendida pela voz única de Louis Armstrong cantando "What a wonderful world".
Apesar de neste momento o mundo ser tudo menos maravilhoso (nem o mundo em geral, nem o meu pequeno mundo em particular - continua, recordo, o humor canino), aqui fica a letra da canção. Com o desejo forte de que seja possível sentir assim (se não o mundo inteiro, que é mais difícil, pelo menos eu, que detesto estar assim).

I see trees of green, red roses too
I see them bloom for me and you
And I think to myself what a wonderful world.

I see skies of blue and clouds of white
The bright blessed day, the dark sacred night
And I think to myself what a wonderful world.

The colors of the rainbow so pretty in the sky
Are also on the faces of people going by
I see friends shaking hands saying how do you do
They're really saying I love you.

I hear babies crying, I watch them grow
They'll learn much more than I'll never know
And I think to myself what a wonderful world
Yes I think to myself what a wonderful world.

Variações em tom (muito) menor

Gaita. Seca. Estou farta.
Amanhã quero fazer gazeta.
Ir ver o mar. Esquecer tudo a olhar para o mar.
Amanhã vai ser segunda-feira. Aliás, já é segunda-feira.
Merda para isto.
Vou trabalhar, claro. Mas sob protesto e sem vontade.
Odeio sentir-me assim.
O dia azul virou noite negra.
Não há relâmpagos lá fora, mas caem raios cá dentro.
Acabei de escrever uma coisa profundamente imbecil. Mas não a apago. Estou-me a sentir imbecil, por isso combina.

domingo, março 14, 2004

Desabafos

Imaginem que fazem um enorme esforço para desempenhar bem a vossa profissão. Que, apesar da falta de vontade de se dedicarem a uma parte dela, porque outra parte exige uma grande concentração e empenho, dão o vosso melhor, procuram que terceiros não sejam prejudicados pelas circunstâncias especiais da vossa vida presente. Imaginem agora a frustração que provoca ver esses terceiros a asnear à grande, demonstrando que não fizeram nada para acompanhar o vosso esforço. Conseguem imaginar? É assim que eu me sinto. E com vontade de dizer uns desopilantes palavrões. Hoje o serão não é azul.

Contra-sensos infantis

O dia continua lindo, o sol brilha, a varanda onde a minha filha gosta de brincar está quente e convida a que lá se esteja. Mas onde está a garota? De repente dei conta que o silêncio em casa era demasiado, faltava a algazarra infantil habitual. Fui ver o que se passava. Encontrei-a na sala, completamente às escuras, a brincar aos cinemas rodeada de bonecas.
Vai, de certeza, querer brincar na varanda quando anoitecer e estiver demasiado frio.

Tarde azul

Em dias assim, os problemas existenciais ficam a dormir a sesta e tudo parece sorrir. Até a ingrata tarefa que me espera (para mim, a mais penosa da minha profissão, diga-se) não me desencoraja. Tento-me lembrar de uma música ou de um poema que transmita esta sensação boa dada por um belo dia de sol. Não me ocorre nenhuma. Os Pogues que me lembrei de ouvir têm canções giras mas que nada me inspiram a este respeito. Fico-me pela ideia da tarde azul. Uma bela tarde azul para todos!

sábado, março 13, 2004

Assuntos pendentes

Releio os textos que aqui vão sendo depositados ao sabor dos meus caprichos e ansiedades, e verifico que tenho pendentes vários assuntos:
- deixei prometido escrever sobre o aborto (não me apetece, é um assunto complicado e penoso, para mim);
- ficou apontado dizer mais alguma coisa sobre as doenças da velhice (idem aspas);
- considerei a hipótese de voltar ao tema do terrorismo (nem pensar, não consigo);
- prometi uma digressão sobre a música, os blogs e eu (único tema que me sinto capaz de abordar hoje, mas que na verdade não me está a interessar demasiado de momento).
É o que dá um dia de lazer: fica-se com tanta preguiça... Até para blogar (neologismos dão-me um enorme gozo, confesso).
Ficam antes umas questões existenciais de primeira grandeza. Porque é que o Outlook anda, desde há uns dias, incapaz de abrir todas as minhas caixas de correio electrónico? Porque é que repetidamente recebo mails de devolução de mensagens que não enviei e que são dadas como tendo vírus (vai tudo direitinho para o lixo)? E finalmente, a questão principal, essencialíssima, diria mesmo vital: por que carga de água é que o elevador do meu prédio insiste em levar-me a passear até à cave de cada vez que nele entro?

Um dia de sol

Pela primeira vez desde há um ror de tempo, é sábado e não chove. Mandei o trabalho às malvas e fui passear para a praia. Gosto tanto de ouvir o barulho das ondas, de sentir o cheiro do mar... Sou capaz de ficar assim horas a fio, sem falar, deixando os pensamentos correr embalados pelas ondas, para cá, para lá.
Hoje não pôde ser bem assim: a minha filha reclamava brincadeira. Corria alegre, com os seus olhos brilhantes de contentamento - os seus olhos da cor do mar. Brincámos, construímos castelos, fizemos desenhos na areia lisa, deitámo-nos ambas na areia e rimos às gargalhadas. É uma das coisas que mais gosto: rir à gargalhada com a minha filha, de preferência abraçadas uma à outra. São momentos de felicidade em estado puro.
O sol brilhava, o mar estava bravo, cheio de ondas que enchiam a praia de espuma, a praia estava como eu gosto, ou seja, quase deserta. Apenas uma aragem fria nos impediu de lá permanecer mais tempo, e por isso já estamos de regresso a casa. Com a sensação de termos passado uma tarde deliciosa e recarregado as baterias.

sexta-feira, março 12, 2004

Que mundo é este?

Estou a ver as imagens, impressionantes, das multidões que se manifestam contra o terrorismo em Madrid.
Confesso que desde ontem me sinto estranha, tensa, revoltada, e com medo. Que guerra é esta? Que mundo é este?

Este não é um blog político. Não quero falar de política aqui. Fica só o desabafo do que sinto: um nó na garganta.

Terrorismo não!

Canção

Não sei o título desta canção (o CD do Chico Buarque que tenho tem um erro na capa e não lhe dá o título certo). Mas gosto tanto dela... Aqui fica, pois, mais uma música.

O primeiro me chegou
Como quem vem do florista
Trouxe um bicho de pelúcia
Trouxe um broche de ametista.

Me contou suas viagens
E as vantagens que ele tinha
Me mostrou o seu relógio
Me chamava de rainha.

Me encontrou tão desarmada
Que tocou meu coração
Mas não me negava nada
E assustada eu disse não.

O segundo me chegou
Como quem chega do bar.
Trouxe um litro de aguardente
Tão amarga de tragar.

Indagou o meu passado
E cheirou minha comida
Vasculhou minha gaveta
Me chamava de perdida.

Me encontrou tão desarmada
Que arranhou meu coração
Mas não me entregava nada
E assustada eu disse não.

O terceiro me chegou
Como quem chega do nada
Ele não me trouxe nada
Também nada perguntou.

Mal sei como ele se chama
Mas entendo o que ele quer
Se deitou na minha cama
E me chama de mulher.

Foi chegando sorrateiro
E antes que eu dissesse não
Se instalou feito um posseiro
Dentro do meu coração.

Senhor, fazei de mim um instrumento da vossa paz

Depois da intensidade de um dia como o de ontem, com as imagens da tragédia em Espanha a juntarem-se a dores privadas; depois de uma noite em que me deixei invadir pelo cansaço e por um sono reparador, não me apetece falar de desgraças nem de terrorismo. Prefiro regressar às belas palavras de S. Francisco, na sua oração da paz que já aqui deixei transcrita.

Novos agradecimentos a fazer

A minha alma anda parva... Há quem me leia, imagine-se. Não sei bem porquê, mas fico contente, claro. Mais ainda: há quem me adicione à sua lista de blogs. Eu ainda não descobri como isso se faz, mas vou agradecendo, aqui, tais distinções. Neste caso, a um blog que eu desconhecia, o Midrash; e a outro que já há tempos me faz viajar por África e pelo mar fora, o Don Vivo. Muito obrigada.

quinta-feira, março 11, 2004

Reflexões em torno do tema do dia

Obviamente, os atentados de Madrid. Claro que vão dar lugar a debates e a declarações de direita e de esquerda, claro que se vão arrotar postas de pescada em torno dos males do imperialismo, da hegemonia castelhana, do terrorismo internacional, da ETA e dos árabes que também dizem estar implicados, etc, etc. Claro que vai haver folclore e guerra de audiências televisivas. E com o que acabo de dizer respondo, de algum modo, à provocatória frase que o Alexandre escreveu, e deu azo aos mais diversos comentários. Claro, também, que a vida vai voltar à sua rotina, depois de passado o choque; tanto entre nós, como em Espanha. Claro, também, que ninguém pode deixar de ficar afectado com as imagens de violência e destruição que nos entram pela casa dentro, vindas de aqui tão perto, nem deixar de reflectir sobre tudo isto. E por isso, não para entrar na onda, nem para tecer profundas considerações de ordem política, falo aqui sobre o assunto. É que aqui eu falo do que me inquieta, do que me vem à cabeça, e hoje estas imagens não me saem da cabeça. Até porque eu tenho amigos em Madrid. Felizmente, estão bem, hoje não estavam lá; mas uma prima deles foi dada como desaparecida, quando tive notícias não sabiam ainda se estava viva ou morta.
Não entendo quem planeia actos destes. Não aceito causas pelas quais se luta desta forma. Não aceito em Espanha, nem nos EUA, nem no Iraque, nem em Israel, nem em lugar nenhum do mundo. Não há direito à auto-determinação que justifique, não há crenças que justifiquem, nada.

(a continuar, talvez)

Clio

Encontrei há pouco um blog de alguém que assina com o nome da minha musa favorita e que deu à sua página o sugestivo título de Fio de Ariana. Ali discute a Universidade, a História. Gostei do que li e recomendo a quem se interesse por estes assuntos.

Não quero

Não quero chegar aos 80 anos se estiver doente. Não quero ter doenças que me façam deixar de ser eu própria. Não quero o meu corpo cheio de escaras. Não quero depender de outros para viver. Não quero voltar a usar fraldas, nem que tenham de me meter na boca comida passada, como se tivesse voltado a ser bebé. Não quero.
De que vale a longevidade, se é para viver assim? De que vale, por exemplo, ir medicando um doente que sofre de Alzheimer para que o seu coração esteja forte e saudável? Para prolongar o inferno na terra?
Isto não é uma declaração a favor da eutanásia, note-se. É uma questão de bom senso e de humanidade. É uma pergunta que a nossa civilização deve colocar a si própria. Porque cada vez mais há meios que permitem ir prolongando a vida - e nalguns casos bem se pode perguntar: para quê?

Hei-de voltar a este tema quando doer menos.

Noite de folga

Nem só do trabalho vive o homem, nem a mulher, nem mesmo quando anda a fazer uma tese. Por isso, terminado o capítulo, fui arejar. Ao cinema, com os meus melhores amigos. Ver um filme divertido, uma história bonita que ajudou a relaxar. Mesmo como era preciso. E agora vou dormir. Boa noite!

quarta-feira, março 10, 2004

Um agradecimento...

... a quem tão simpaticamente me tem referido e acrescentado à sua lista de "links". Se uns já conhecia, outros foram uma total surpresa. O meu obrigada ao Guia dos Perplexos, ao Blog do Alex, ao Roda Livre, ao Food-i-do (raio de nome), ao Cafajeste. E, claro, ao meu gato preferido.

Para marcar presença

Queria ter escrito aqui alguma coisa este serão. Mas nem escrevi, nem fiz nada de jeito. Estou cansada, com sono, e ainda tenho de acabar de pôr em ordem o tal capítulo (são os últimos retoques). Assinalo a vontade de escrever com este post para marcar presença. Blogar pode ser viciante, estou-me a aperceber disso. Bem, há vícios piores. Este não provoca cancro do pulmão.

terça-feira, março 09, 2004

Desalento

Uma das coisas que mais me custa é ver jovens licenciados na minha área desesperando anos a fio à procura de emprego, do trabalho com que sonharam e que gostavam de fazer. Não porque falte o que fazer. Mas porque não há dinheiro, meios, interesse para o realizar. Todos os anos vou sabendo de quem manda os sonhos e os gostos às malvas e se rende à necessidade de ganhar dinheiro fazendo uma outra coisa qualquer. Jovens cheios de energia e entusiasmo, inteligentes, talentosos - e frustrados nas suas ambições legítimas.
Dá um desalento grande não poder fazer nada para os ajudar.

segunda-feira, março 08, 2004

Fim...

... do capítulo encravado. Finalmente.
Com o cansaço que hoje sinto, ia-me esquecendo de dar a boa notícia. Porque é mesmo uma boa notícia!
Sinto o "quase" mais pequeno. Acrescentei um pouco mais ao azul.

Segundas-feiras

Para que conste: este ano, odeio as segundas-feiras.

domingo, março 07, 2004

...

De repente, um telefonema. De imediato, o sorriso apaga-se e dá lugar à apreensão, à expectativa. É a preocupação vaga de dias anteriores tornada real, concreta, pesada. Regressa o espectro de outras horas assim passadas, felizmente com um final bom. Instala-se a dúvida: desta vez poderá haver, de novo, um final feliz? Sinto aproximar-se um medo frio, gelado. De que falte pouco para ter de me separar de quem eu tanto gosto. Do meu pai.

Voir un ami pleurer

Bem sei que disse que só voltava quando o capítulo chegasse ao fim. Mas que querem? Não resisto a deixar aqui a letra da música que ouço neste momento. Uma das canções do Jacques Brel de que mais gosto, que tenho no computador e ouço e volto a ouvir, sempre que o Windows Media Player "decide" regressar a ela.

Bien sûr il y a les guerres d'Irlande
Et les peuplades sans musique
Bien sûr tout ce manque de tendres
Il n'y a plus d'Amérique
Bien sûr l'argent n'a pas d'odeur
Mais pas d'odeur me monte au nez
Bien sûr on marche sur les fleurs
Mais voir un ami pleurer!

Bien sûr il y a nos défaites
Et puis la mort qui est tout au bout
Nos corps inclinent déjà la tête
Étonnés d'être encore debout
Bien sûr les femmes infidèles
Et les oiseaux assassinés
Bien sûr nos cœurs perdent leurs ailes
Mais mais voir un ami pleurer!

Bien sûr ces villes épuisées
Par ces enfants de cinquante ans
Notre impuissance à les aider
Et nos amours qui ont mal aux dents
Bien sûr le temps qui va trop vite
Ces métro remplis de noyés
La vérité qui nous évite
Mais voir un ami pleurer!

Bien sûr nos miroirs sont intègres
Ni le courage d'être juifs
Ni l'élégance d'être nègres
On se croit mèche on n'est que suif
Et tous ces hommes qui sont nos frères
Tellement qu'on n'est plus étonnés
Que par amour ils nous lacèrent
Mais voir un ami pleurer!

(Pequeno aparte)

(Ainda bem que resolvi anunciar o tema do próximo verdadeiro "post". Como me vai exigir algum tempo, não sou tentada a vir escrever, e continuo o trabalho, apesar da falta de vontade. Promessas são para se cumprir, pelo que... até mais logo, espero que com boas notícias sobre o tal interminável capítulo que está, felizmente, quase, quase a chegar ao fim. Bem diz a sabedoria popular que o rabo é sempre o mais difícil de esfolar...)

Comentários

Resolvi experimentar um sistema de comentários. Tenho dúvidas que valha a pena. Não prometo que não desapareça em breve. Mas para já, aqui fica.

sábado, março 06, 2004

E de novo em torno do mesmo tema

Tenho ainda uma outra história para mencionar antes de escrever sobre o tema do aborto. Esta não a contarei eu, encontra-se neste "Diário de uma gravidez de alto risco e de uma bebé linda". Vale a pena conhecer a Joana; e sorrir por ela estar cá.

Prometo que o assunto do meu próximo "post" será outro: música, blogs e eu.

Ao trabalho...

E agora, ao trabalho. A minha filha está numa festa de anos. Pensei aproveitar esta tarde sozinha para ir ao cinema, ver o "Lost in translation" que finalmente chegou a esta terra. Mas o dever chama-me, por isso voltei para casa direitinha, depois de a deixar na festa... Vamos a isto.

Onde se continua a falar do mesmo tema

Ainda não é desta que vou escrever tudo quanto queria dizer. Apenas deixar aqui mais uma pequena história, também ela real.
Durante muitos anos, passei férias no mesmo local; morava em frente a nós uma família de quem éramos muito amigos, e todos os anos estávamos juntos durante o mês de praia. O filho mais velho era deficiente. Tinha uma inteligência viva aprisionada dentro de um corpo tolhido, paralisado, incapaz de mais auto-suficiência do que a de andar sozinho num triciclo adaptado ou numa cadeira de rodas e de escrever à máquina, muito devagar (hoje usa, é claro, o computador; aliás, foi ele quem me ensinou os primeiros rudimentos da pouca informática que sei). Vejo hoje que fazia muita impressão olhar para ele, para os seus gestos bruscos e desadequados, vê-lo dependente para tudo, ouvir e perceber a sua fala arrastada e lenta. Mas a mim, que era tão pequenita, não fazia impressão nenhuma. Ele era assim e pronto, aceitava-o sem estranheza. Era um excelente companheiro de brincadeiras, jogava futebol connosco com a ajuda do triciclo, era o meu parceiro de longas noitadas de sueca (apontava para a carta que queria jogar e alguém a colocava por ele sobre a mesa), tinha imenso sentido de humor e uma alegria admirável. É um homem culto, inteligente, com um curso universitário que terminou com boas notas, que não lhe foram dadas por favor, mas por as merecer.
Parece que foi uma complicação de parto a causa da paralisia cerebral que o afectava. A falta de irrigação sanguínea no cérebro por prolongados minutos deixou lesões irreparáveis. Não se sabe (creio eu) se haveria algum problema anterior ao nascimento, pois nessa altura não havia ecografias nem outros exames que permitissem um diagnóstico pré-natal.
Nunca me esqueci de um dia, já adulta, estarmos ambos a conversar e de ele me dizer isto: "Eu gosto de estar vivo". Recordo esta frase a cada vez que se fala da legitimidade do aborto no caso de o diagnóstico pré-natal revelar uma deficiência do bebé.

Onde se começa a falar de um tema que me há-de ocupar longamente

Falei há pouco com uma amiga, mais velha do que eu, mãe de três filhas já adultas. Encontrei-a angustiada, preocupada com a mais velha, que engravidou por acidente: o preservativo furou, a pílula do dia seguinte não impediu que engravidasse. Confesso que nunca percebi muito bem se o intuito dessa pílula é ainda ir a tempo de evitar a fecundação, ou se apenas impede a nidação do ovo fecundado; encontrei sempre opiniões desencontradas a esse respeito no que li sobre o assunto, e não me lembrei ainda de o perguntar ao meu ginecologista. Suspeito que esse desencontro de opiniões terá a ver com o facto de os médicos não saberem lá muito bem como é que aquilo age...
Mas voltemos à história. A rapariga tomou a dita pílula, mas a gravidez aconteceu. E ela quer ter o bebé, no que é apoiada pelos pais, mas não pelo namorado. Para complicar tudo, é uma gravidez de risco, há uma possibilidade de descolamento da placenta (acho que é esse o termo correcto). Ela chora, e pensa no emprego que iniciou há pouco, nas imensas coisas que tinha pensado fazer antes de ser mãe - mas não hesita em dizer que terá este bebé, nem faz nada para precipitar um aborto que se calhar até acabará por, espontaneamente, ocorrer.
Acho esta rapariga de uma coragem linda. E isto tudo faz-me pensar que me apetece escrever sobre quanto se tem dito acerca do aborto. Mas não vai ser agora. Para já, fica apenas esta história. De alguém que não teve medo de enfrentar os preconceitos hipócritas de uma sociedade que continua a olhar de soslaio para as mães solteiras, nem receio de assumir as consequências dos seus actos. Sem sacrificar quem não tem nenhuma culpa.

(continua quando tiver tempo e calma; o intervalo bloguístico terminou, ainda tenho de trabalhar antes de ir dormir)

sexta-feira, março 05, 2004

Já descobri

Esta noite não conseguia lembrar-me do blog onde tinha lido um post que me tinha deixado com um nó na garganta, há tempos. Já descobri. Chama-se O canto da sereia, e está cheio de coisas bonitas. Tal como os Matraquilhos, que tanto gosto de ler, e que já tinha referido. Quando se está cansado de trabalhar, sabe muito bem espreitar por estas janelas.

Eu adoptei

Fui há pouco espreitar um dos blogs que mais me sensibilizou desde que por estas esferas passeio: o "Eu adoptei". Fiquei a saber que estava a terminar. As razões do seu autor são por demais válidas; as minhas para lamentar que o blog acabe também o são. Ler o "Eu adoptei" foi ganhar a certeza de que a vaga ideia de adoptar uma criança podia, devia ganhar forma. Tenho, como já disse, uma filha (tivesse tudo corrido bem, e não seria filha única, aliás... como eu entendi bem a Ana e uma outra pessoa, a quem peço desculpa por não ter fixado nem o nome nem o endereço do blog, quando aqui há tempos as li...). Gostava de um dia poder dar a uma criança sem pais um lar onde tenha a possibilidade de adormecer em paz, confiante, sabendo que a amam, como acontece noite após noite com a minha menina querida*. O "Eu adoptei" ajudou-me a ter a certeza que é um sonho possível. Muito obrigada, Paulo.

(* Um pequeno aparte para perguntar aos pais e mães que eventualmente me leiam: não é um momento de especial carinho e enternecimento aquele em que olhamos os nossos filhos a dormir, tranquilos?)

E por falar em poemas e canções...

A canção do Sérgio Godinho de que abaixo falei permanece na minha cabeça. Ouço outras músicas, mas quando elas terminam... lá volta a ecoar aquela voz de que tanto gosto, a cantar o "É terça feira". Aqui fica a letra, enquanto a ouço uma vez mais:

É terça feira
e a feira da ladra
abre hoje
às cinco da madrugada
E a rapariga
desce a escada quatro a quatro
vai vender mágoas
ao desbarato
vai vender juras falsas
amargura ilusões
trapos e cacos e contradições

É terça-feira
e das cinzas talvez
amanhã que é quarta-feira
haja fogo outra vez
o coração é incapaz
de dizer 'tanto faz'
parte para a guerra
com os olhos na paz

É terça-feira
e a feira da ladra
quase transborda
de abarrotada
E a rapariga
vende tudo o que trazia
troca a tristeza
pela alegria
E todos querem
regateiam
amarguras
ilusões
trapos e cacos e contradições

É terça-feira
e das cinzas talvez
amanhã que é quarta-feira
haja fogo outra vez
o coração é incapaz
de dizer 'tanto faz'
parte para a guerra
com os olhos na paz

É terça-feira
e a feira da ladra
fica enfim quieta
e abandonada
e a rapariga
deixou no chão um lamento
que se ergue e gira
e roda com o vento
e rodopia
e navega
e joga à cabra-cega
é de nós todos
e a ninguém se entrega

É terça-feira
e das cinzas talvez
amanhã que é quarta-feira
haja fogo outra vez
o coração é incapaz
de dizer 'tanto faz'
parte para a guerra
com os olhos na paz


Sérgio Godinho

Isto de ter um blog...

Isto de ter um blog tem muito que se lhe diga, começo a aperceber-me. Nasceu este espaço em tons de azul há poucas semanas. Pode parecer estranho, mas não foi minha intenção ser lida. O que é em parte uma idiotice, porque estou a escrever para uma página a que qualquer pessoa tem acesso via internet, e não no meu diário privado fechado a sete chaves... No fundo, é escrever para mim sabendo que posso ser lida por outras pessoas, por desconhecidos, o que me obriga a uma certa disciplina, a uma certa contenção. Tem o seu quê de falar em voz alta sozinha - posso ser ouvida por quem passa, mas é comigo própria que falo. Mas, no que escrevo, sou eu própria; quem me conhece reconhecer-me-ia no que aqui deixo registado. E por isso fico sempre um pouco confusa, um pouco como que apanhada a falar alto sozinha, quando me apercebo de que há quem aqui venha, leia o que eu escrevo e, coisa incrível, volte, ou refira o "Um pouco mais de azul"! Uma parte de mim fica satisfeita, claro (todos temos uma dosezita de vaidade, não vale a pena negá-lo); mas outra encolhe-se, um bocadito envergonhada, começando a tomar consciência daquilo em que me meti... Bem, na verdade, deste modo fica mais interessante o desafio de por aqui continuar a escrevinhar o que me vem à cabeça.
Veio tudo isto a propósito da referência tão simpática que o Causidicus fez a respeito deste blog. É bom verificar que há quem goste de poemas e canções que me dizem muito, e que, ainda por cima, partilhe a minha devoção por Clio! Obrigada!

quinta-feira, março 04, 2004

Coisas caladas

Há coisas que nos dizem tanto que o melhor é deixá-las num cantinho da nossa cabeça, do nosso coração, sem pensarmos demasiado nelas, como que em banho maria. Ficam caladas cá dentro, à espera, secretas, lentamente saboreadas...

Varia

Andei por Lisboa, de metro. Quando o faço, ou vou absorta nos meus pensamentos ou num livro, ou vou observando os outros passageiros. Desta feita, fixei a imagem de um velhote que cantarolava sozinho, sentado ao meu lado, com um ar sofrido e um pouco enlouquecido. A da rapariga que ia à frente, com um "piercing" entre o lábio e o queixo (achará aquilo realmente bonito? não a magoará?). Não guardei na memória mais ninguém. Estava a ler um romance do Francisco José Viegas, "Morte no estádio". Confesso que nunca tinha lido nada escrito por ele, a não ser o Aviz; o blog levou-me ao autor, não resisti a comprar o livro na feira de livros que há na Gare do Oriente (ainda bem que não resisti...). Na minha cabeça, o Sérgio Godinho insistia em cantar "É terça-feira...". Acho que é sina minha, ter constantemente uma música na cabeça; desta vez era uma canção de que gosto muito.
Mas hoje não é terça-feira... É quinta, e o trabalho finalmente avançou. Na viagem de comboio, consegui ler o capítulo que tenho entre mãos e corrigi-lo. Claro que o trabalho rendeu mais na viagem de ida do que na de regresso - na volta, havia o livro do Francisco...

terça-feira, março 02, 2004

Desabafo

Apetecia-me ter tempo para escrever aqui. Aliás, apetecia-me ter tempo para fazer 1001 coisas, em lugar de, dia após dia, tentar chegar mais perto do fim de um trabalho académico que teima em não terminar... E apetecia-me não estar, a esta hora, a preparar um novo serão de trabalho, mas apenas a descansar.
Bem... Só vou poder descansar, verdadeiramente, quando terminar isto. No final, a recompensa chegará. Será o fim de um importante "quase", a conquista de um bom bocado de "azul". Vai valer a pena, não duvido. Ao trabalho, pois, sem mais lamentos!

(A isto se chama, creio, auto-incentivo; ou, dito de outra forma, tentar acenar ao burro cansado com uma cenoura para ver se ele chega ao fim da jornada.)

Expectativa

Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...


Florbela Espanca

segunda-feira, março 01, 2004

Poema

Como já outro dia disse, há por vezes coisas que vêm ter connosco sem as procurarmos. Há tempos, encontrei a minha vendedora da CAIS preferida - uma mulher grande, forte, que vende revistas e oferece sorrisos doces. Comprei a desse mês (não me recordo qual), ganhei o sorriso e pus-me a folhear a revista. Encontrei um conjunto de belas fotografias e de poemas ainda mais bonitos. Entre eles, um poema que desde então me tem acompanhado. Este:

Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
E se a terra fosse uma cousa para trincar
Seria mais feliz um momento...
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se,
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva...

O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja...


Alberto Caeiro


 
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