Um pouco mais de azul

terça-feira, agosto 31, 2004

Um blog especial

Depois da brincadeirinha do post anterior, um sério, que vem especialmente a propósito neste momento em que tanto se voltou a falar do aborto. É um blog sobre uma gravidez especial (ao qual cheguei por aqui), escrito por uma jovem brasileira a quem não assusta a ideia de ter uma filha com sindroma de Down. As suas palavras são tão alegres, a forma como fala da Gabi tão cheia de carinho... É bonito de ler, comovente.
Cara Michele, daqui, do outro lado do mar, fica um abraço grande, admirando a sua coragem e esperando que a Gabi traga aos papás, que com tanto amor a esperam, muitas, muitas alegrias. Há meses, encontrei um outro blog que retratava a vinda ao mundo e os primeiros meses de uma outra bebé especial, a Joana, também ela afectada pelo mesmo sindroma. Esse blog deixou de estar acessível, mas vou procurar o contacto da mãe para lho mandar.

Uma Clio só para mim

Pintadinha pelo Vermeer. Para o Hugo ver que a musa da História não é só dele (e agora falta aqui um smilie que só tenho no MSN). E para ver se ela me inspira de vez...


Apelo às musas

Musas, descei sobre mim e inspirai-me, que a preguiça é muita para trabalhar a valer...



Jacques Stella, Minerva e as Musas, 1640-45

Chuviscos azuis

segunda-feira, agosto 30, 2004

Barcos e abortos

Navega perto da nossa costa um barco a que dão o feio nome do Barco do Aborto. Não gosto do tema do aborto. Sinto-me sempre muito desconfortável, como já em tempos escrevi, porque há uma questão moral básica que raramente vejo discutida com argumentos sérios e que considero fundamental. Limito-me, pois, a duas ou três notas e a citar um artigo.
Primeira nota: acho essa coisa de um navio vir falar de aborto pelo mar fora, e transformado em clínica ginecológica, uma coisa muito esquisita. Cheira-me a folclore extremista e demagógico, não gosto. Será que se arranjariam navios para ir falar de outros problemas, bem mais graves que os do aborto? Em países que consideram as mulheres como objectos pertença dos homens?
Segunda nota: os números de abortos clandestinos citados por cada jornal, cada blog, cada notícia que leio nunca são iguais. Há-os para todos os gostos, o que demonstra que não se faz verdadeiramente ideia de quantos abortos são praticados clandestinamente em Portugal.
Terceira nota: outros números, mais seguros e invariáveis de fonte para fonte, são apresentados, e esses incomodam-me muito. São os das mulheres que entram nas maternidades e hospitais devido a complicações relacionadas com abortos. Neles, asseguraram-me, juntam-se os casos de aborto provocado e os de aborto espontâneo. Essa mistura não devia ser feita. Também eu entrei numa maternidade devido a uma gravidez que não foi avante, e recuso-me a fazer parte de estatísticas de abortos desejados, porque nada fiz para perder os filhos que esperava, muito pelo contrário. O meu registo na maternidade não pode ser contabilizado dessa maneira.

Como disse, não quero estender-me nesta matéria. Prefiro remeter para um artigo de alguém insuspeito como é Zita Seabra, que escreve no Público com grande sensatez e pondo vários pontos nos ii quanto a toda a polémica em torno deste barco. Está aqui.

As ondas

As ondas quebravam uma a uma
Eu estava só com a areia e com a espuma
Do mar que cantava só para mim.

Sophia de Mello Breyner

domingo, agosto 29, 2004

Solidariedade

A Púrpura Secreta dá-nos a conhecer a história triste de uma mulher e da sua família. Leio-a e fico a pensar. No que será ter praticamente a minha idade e estar confinada a uma cama, sem perspectivas de cura de uma doença difícil. No que será uma família composta por pai, mãe e dois filhos sobreviver com cerca de 100 contos por mês. No que será viver com o espectro de ficar sem casa, porque falta o dinheiro para pagar o empréstimo contraído para que a Filomena se pudesse tratar. Nem sequer é uma quantia muito avultada: 3000 contos. Para eles, no entanto, é uma imensa quantia.
Não sei bem o que eu, em particular, posso fazer para ajudar a Filomena, que nem sequer mora na mesma cidade que eu. Posso, pelo menos, dar a conhecer o seu caso (que é apenas um entre muitos, e nem sequer o mais dramático, bem o sei; mas é uma realidade que me foi posta diante do nariz, não a posso ignorar). Não custa nada e talvez ajude alguém que, tanto quanto me é dado saber, merece a ajuda que lhe puder ser dada.

De volta

Cá estou de novo. Foram umas férias em tons de azul. Azul do mar, azul da água da piscina, azul do céu, azul de risos, azul de mimos, azul de paz. Algures por aqui.




sexta-feira, agosto 20, 2004

Em férias

Finalmente, chegou o tempo de ser eu quem parte de férias. Durante uma semana, não vai haver tese, computador, rotina. Apenas praia, tempo para a minha filha, para ler, descansar e carregar baterias. Espera-se uma semana tão azul como este mar que aqui vos deixo, agradecendo ao Blue e à Sara terem-me oferecido esta foto. Um beijo grande para todos, e até à volta.

quinta-feira, agosto 19, 2004

Coisas a fazer

1) A mala e a interminável quantidade de tralha que a minha filha acha indispensável não deixar para trás.
2) Terminar a revisão da extensa parte do capítulo em que tenho estado a trabalhar afanosamente e ir entregá-la a quem de direito - para ler enquanto eu estou de papo para o ar.
Ou seja, tenho pano para mangas com que me entreter até ao final da tarde...

Resmungando

Encho-me de coragem para fazer as compras necessárias para o meu pai antes de ir para férias, on-line porque odeio ir para hipermercados com carrinhos de compras que fogem para todo o lado menos aquele para onde quero que vão, no meio de magotes de gente. Devo ter fobia a compras, porque também detesto fazê-las on-line (só gosto que toquem à campainha e me entreguem tudo dentro da minha própria casa, sem eu ter de carregar com sacos sem fim). Revejo todos os itens da lista, não esqueço nenhum. Carrego na tecla "comprar". Nada. Carrego outra vez, outra e outra. Nada. Há uma porcaria de um erro qualquer na bodega de site do maldito do Continente. Nem sequer consigo reentrar e refazer tudo. Gaita.

quarta-feira, agosto 18, 2004

Meio ano

Faz hoje meio ano que este blog nasceu. E aqui continua, buscando um pouco mais de azul.



Escritos de ontem

No meio da cidade grande, um refúgio, à sombra de uma araucária imensa, rodeada de flores. No final de um dia longo de trabalho, escrevo. Para mim.
São tempos estranhos, estes. Tempos de solidão, de me virar para dentro sem sentir. De mergulhar no trabalho e deixar-me invadir por ele - não quero, mas é preciso. Tudo parece invertido num mundo assim. E o pior é que me falta o riso alegre do meu amor, os abraços e beijos que me fazem sorrir e trazem de volta à realidade.
Mas o que é real? É o sonho real? O que sinto é real? Reais a valer são as saudades dela. E real é a irrealidade de uma vida que se obriga a focar num tempo, um espaço, um mundo que tento descobrir e dar a conhecer, e que simultaneamente é criação minha, não existe se eu não o escrever. Apre(e)ndo-o lendo para além do que está escrito, pressentindo uma lógica de que me acerco observando por variados prismas, repetindo ou inventando formas de abordagem.
Sozinha, mergulho nesse mundo criado, simultaneamente apetecido e detestado. Parece mais real que o mundo verdadeiro.

Passo grande parte deste longo serão silencioso a ler. Ficou frio depois de jantar, vim para o quarto. Estou de novo só - e prefiro. Fazer conversa de sala não é o meu forte, sobretudo quando me perguntam sobre temas de que prefiro não falar.
A sensação de irrealidade permanece. Agora não é o trabalho, mas versos e romance. Maria do Rosário Pedreira. Apesar de ter livros novos à minha espera, de ter trazido comigo um deles, não resisti a comprar o que encontrei desta autora que me encantou. Leio-a. Gosto de a ler. Apesar da sua melancolia quase insuportável - talvez insuportável por ter tanto da minha própria melancolia, em dias assim... Ou talvez goste por me rever no intimismo das suas palavras. É tão doce a sua escrita, tão púdica e contida, e simultaneamente tão rica de sentimentos, tão cheia de uma sensibilidade transparente, tão cheia de quanto se adivinha por detrás da sua contenção... Os seus versos são discretos - como carícias contidas, mudas, que falam sem precisar de dizer. Se eu escrevesse versos, seriam em muito semelhantes aos seus. Pelo menos em dias assim - em dias de melancolia, de me enroscar em mim e me proteger do mundo e da chuva que cai lá fora.

domingo, agosto 15, 2004

Como bolas de sabão


Ecos



Sur le Pont d'Avignon,
on y danse,
on y danse,
sur le pont d'Avignon,
on y danse
tous en rond...

(Ou como a preparação de um trabalho nos leva a velhas canções sobre ainda mais velhas pontes... Esta é mesmo a ponte de Avignon de que a canção fala, começada a construir nos finais do século XII sobre o rio Ródano.)

sábado, agosto 14, 2004

Fico assim sem você

Avião sem asa,
fogueira sem brasa
sou eu assim sem você
futebol sem bola,
Piu-piu sem Frajola
sou eu assim sem você...

Uma das canções bonitas cantadas pela voz doce da Adriana Calcanhoto. Porque será que me está a apetecer ouvi-la?
(estou a ficar repetitiva, eu sei; mas de novo o meu passarito está longe de mim, e esta é a hora da saudade...)

Mahler

Não conheço música mais dolorosamente bela do que o Adagietto da 5ª sinfonia de Mahler.

A preto e branco

sexta-feira, agosto 13, 2004

Laços de ternura

Ao responder ao comentário do autor de Um ano de ti, comecei a falar de um tema que me é muito caro: o da importância das conversas entre pais e filhos que estabelecem laços com o passado e assim permitem aos filhos conhecer melhor os pais. Creio que todos temos tendência a olhar os nossos pais como sendo o pai ou a mãe, e nisso de algum modo esgotamos a nossa curiosidade. Se calhar isto passava-se mais com as pessoas da minha geração, ou de gerações anteriores, com cujos pais havia algumas barreiras de comunicação, algum pudor em que eles se revelassem nos seus sentimentos, em que eles fizessem confidências. Para quem os pais eram sobretudo isso, pais, e não amigos. É complicado encontrar as palavras exactas para explicar o que pretendo dizer em abstracto; prefiro ilustrar com o meu exemplo.
De alguma forma, nunca questionei grande coisa sobre o meu pai e a minha mãe. Existiam, eram as minhas âncoras, os meus pontos de referência. Mas não sei muita coisa sobre o que a minha mãe pensava quando era garota, nem acerca dos namorados que teve, ou o porquê de só se ter casado aos trinta e poucos anos, num tempo em que o casamento se fazia, por via de regra, bem mais cedo. Por um lado, a minha mãe não se abria muito sobre tais assuntos, por outro havia uma timidez enorme da minha parte que me impedia de fazer a larga maioria das perguntas que me ocorriam. Havia pudor em revelar sentimentos, não sei porquê. Com o meu pai o mesmo se passava, de forma ainda mais acentuada. Pelo que posso dizer que, na verdade, eu não conhecia o meu pai nem a minha mãe. E agora que ela já cá não está e que ele não me pode responder ao que eu tanto gostava de saber, sinto uma falta imensa desse conhecimento.
Há tempos, no meio de arrumações, encontrei uma grande colecção de cartas trocadas entre ambos, quando já eram casados - encantei-me a lê-las, descobri duas pessoas que se amavam e trocavam palavras ternas que nunca lhes tinha ouvido; seriam palavras da sua intimidade, que não partilhavam com as filhas. Não as li todas, não as trouxe comigo, deixei-as onde estavam, como tesouros que não queria desvendar naquele momento; para já bastava-me saber que ali se encontravam e preservavam a memória de ambos. Assim se conservam ainda, talvez por algum resquício desse velho pudor sem sentido.
Custa-me pegar em álbuns de fotografias e não saber identificar as pessoas, não saber localizar no tempo e no espaço a minha mãe e o meu pai. Tenho vontade de me sentar ao lado da minha tia e pedir que me conte coisas de quando eu era pequenina, coisas dos meus pais e do meu tio que eu não sei e ela sabe. Mas moramos longe, as conversas são sempre à pressa, os encontros escassos...
Não quero que seja assim com a minha filha. Faço questão que ela me conheça. Preservando o que é íntimo, revelando o que é adequado à idade dela saber, mas não me escondendo dela enquanto pessoa humana que sente, pensa, sonha, quer, está contente e triste, chora e ri. Além de mãe, quero ser amiga e confidente, o que implica partilha. Os blogs em que mães e pais falam do que sentem pelos filhos mostram que mais pessoas pensam como eu. E eu sinto que vou escrever cada vez mais coisas sobre a minha filha, não obrigatoriamente aqui, mas criando essa memória que um dia ela terá ao seu dispor e que nos faz sentir parte de um todo, de uma história comum, assim fortalecendo, mais e mais, os doces laços de ternura que nos unem.

quinta-feira, agosto 12, 2004

Um ano de ti

Sempre que o leio vêm-me as lágrimas aos olhos. Revejo quanto senti, quanto vivi há nove anos atrás. Invejo-lhe a capacidade de pôr sentimentos e emoções em palavras. Outro dia queixava-se de não ser capaz de escrever o que queria e como queria: caro Pai, o que escreve é tão, tão belo... Não será para o seu filho ler em criança. Se calhar, a melhor altura para lhe dar a conhecer estes textos será quando ele próprio for pai e, finalmente, estiver em condições de compreender. Porque há coisas que só se compreendem na sua plenitude quando uma barriga tem lá dentro "um novelo de vida", ou quando uma mãozinha minúscula agarra confiadamente na nossa e só de a olhar nos sentimos felizes, felizes, e nem sabemos o que fazer a tanta felicidade, ou se havemos de rir ou de chorar, e sentimo-nos reis do universo porque trouxemos ao mundo uma nova vida, e ao mesmo tempo aflitos porque essa vida deposita em nós toda a confiança para crescer e ser feliz, e nós nem sabemos sequer por onde começar, e não percebemos nada de fraldas nem de choros, nem de mamadas e pomadas para rabinhos, e temos de aprender tudo com aqueles seres minúsculos e rabugentos cujos gritos se alojam na nossa cabeça até quase enlouquecermos - mas sem os quais nos passamos a sentir vazios, ocos, farrapos.

Chuva de prata

Estamos em tempo de chuva de estrelas. Das autênticas. Vou tentar ver esta noite as Perseidas, já que o céu está limpo.

Prazeres da vida


Pergunta a mim

Há quanto tempo não sou prioridade?

quarta-feira, agosto 11, 2004

Memórias de infância

Em mais um dia de chuva, recordo tempos de menina, quando, lá pela segunda quinzena de Agosto, chovia na praia. Nesses dias não se podia ir à praia, mas brincava-se a valer de outras formas. Lembro-me, sobretudo, das horas passadas na garagem, que era naquela casa como que um sótão cheio de coisas velhas a descobrir. Juntava-se ali toda a miudagem a brincar. Ou ficávamos só eu e a minha irmã, a mexericar em tudo. Ali havia velhos armários de cozinha, cheios de naperons passados de moda e frascos vazios, que a minha avó tinha a mania de guardar. Ali estava, também, a cadeirinha alta que fora da minha mãe (que pena já não a ter...), algumas das suas velhas bonecas, tão diferentes das nossas, o seu fogãozinho de folha, com loucinhas, que um dia espero restaurar. Ali se guardavam enormes malões vindos do escritório do meu avô, cheios de papéis com o cheiro a bafio do passado, carimbos, toda uma série de inutilidades em que delirávamos mexer. Ainda sinto o cheiro daquela garagem, assim como da despensa, onde uma velha banheira de bonecas ficava guardada o ano inteiro, esperando que chegássemos para com ela brincarmos. Na divisão que servia de escritório ao meu pai (ele lá passava sem um escritório, mesmo nas férias?), dormiam durante o ano as bonecas de cartão com roupas para vestir, de que eu tanto gostava, e uma imagem de Nossa Senhora de Fátima, de plástico fluorescente,pirosíssima, mas que me fascinava por brilhar no escuro e por ter uma caixa de música com um mecanismo muito engraçado, que eu ficava a olhar. Nas gavetinhas da escrivaninha (hoje na minha sala) guardavam-se pedrinhas, conchas e lápis de cor. E ao lado dos blocos de folhas brancas preenchidas pela letra miúda e regular do meu pai ficavam os nossos livros de miúdas. No alçado da escrivaninha o espaço era pouco para todos os livros, os que levávamos e os que nunca saíam da casa da praia e só se liam, portanto, no Verão: uma colecção inteira de banda desenhada da Disney, encadernada, e sobretudo a larga maioria dos romances de Erico Veríssimo. Foi nessa casa, já mais crescida, que descobri o mundo de Clarissa, no qual ainda hoje me delicio. Música ao longe, Solo de clarineta, vários outros que tenho vontade de reler - preciso de descobrir onde estão, no meio dos inúmeros livros que estão para vir de casa dos meus pais. Esses, quero-os para mim.
Tenho saudades desse tempo, dessa casa onde ecoavam os nossos passos, a descer as escadas sempre aos saltos, deslizando pelo corrimão na parte final ou saltando os últimos degraus. Saudades do arroz de mexilhão que a minha avó preparava, apanhado por nós nos rochedos deixados a descoberto pela maré vaza. Saudades de serões passados a jogar cartas - ainda saberei jogar "crapaud"? Do relógio de pêndulo que marcava o passar do tempo, que então era lento, não tinha pressa nenhuma. Do barulho da porta das traseiras a bater com força, do assobio da nortada nesse lado da casa, do pátio onde jogávamos badminton e à bola e se fazia equilibrismo em cima de um muro estreito.
Quase mais do que visuais, as minhas memórias são feitas de sons e cheiros.

Quem tem filhos pequenos...

... pode também ter um pinguim à mesa, a almoçar sardinhas.

terça-feira, agosto 10, 2004

Secretária(o) particular precisa-se

Que entenda as coisas à primeira, ou de preferência sem sequer ser preciso explicar-lhas. Capaz de arrumar pela minha lógica o que não arrumo, que trate por mim de todos os assuntos de dinheiro e papeladas que odeio. Que nos momentos livres me faça as compras. Que tenha pachorra para aturar uma patroa que responde por monossílabos e não quer saber de nada do que lhe passar para as mãos. Que saiba tudo o que eu não sei de informática, e se não souber que aprenda e faça por mim, não me ensine. Que entenda a minha letra. Que se contente com a minha gratidão como ordenado, pelo menos até eu passar a ganhar mais.

Um pouco mais de azul

Ora bolas

Isto de acordar às 11 e tal tem de acabar. Não posso sair de casa para fazer o que preciso ao meio-dia... Mas a que horas é que eu acho que me vou levantar, se me deito às 5 da madrugada?
Um pouco mais de contenção nas noitadas precisa-se. Com urgência. Mas é no silêncio da noite que encontro a concentração que me faz falta. O raciocínio flui, livre de interrupções. A essas horas tardias, nada existe senão eu, o computador, a música baixinho e um tempo que parece infinito. Até a manhã chegar e perceber que, de novo, me levantei às 11 e tal.

Vénus e Marte

Ouço uma canção dos Air que se chama Venus. "Men are from Mars, women from Venus". Às vezes parece mesmo.
Gosto muito do Diário da Bridget Jones - do livro, que o filme assassinou (que fala imenso do livro sobre os planetas feminino/masculino, foi aliás aí que aprendi que tal livro existia). Foi companhia de muitos serões em que me ria sozinha a ler as peripécias da vida de uma trintona obcecada pelo peso, que fuma e bebe demais enquanto procura o seu "tal". Apesar das imensas diferenças, há semelhanças entre ela e eu. Provavelmente, entre ela e todas as mulheres solteiras ou divorciadas na casa dos trinta. Mas leiam o livro, não liguem ao filme: foi das piores desilusões que tive com adaptações cinematográficas de romances. Transformaram uma boa história num disparate pegado. Os actores, porém, assentam que nem luvas nas personagens. E viva o Colin Firth / Mark Darcy. O Hugh Grant também, desde que não na pele do estupor do Daniel.

(E agora que já intervalei, retournons à nos moutons).

segunda-feira, agosto 09, 2004

Momento de lucidez

Que post mais imbecil o anterior... Ele há dias assim, que fazer? Ficar sem escrever, pois... Era uma ideia, talvez uma boa ideia. Mas apetece-me escrever coisas parvas, já disse (e nem queiram saber o que comecei a rabiscar e apaguei de seguida, por ser demasiado idiota). Escrever aqui ajuda a desenjoar do trabalho.
Estou a fazer o que chamo "encher chouriços". Se preferirem, a encher de referências, citações, comparações e provas de profunda erudição (!) esta primeira parte deste imenso capítulo. É chato, sim. Mas necessário. E interessante, também, quando encontro algo que me faz pensar, que me leva a alterar o que escrevi ou a colocar novas questões. Tem o seu quê de fazer uma casa: primeiro criei os alicerces, fiz crescer vigas e traves mestras, construí paredes. Agora estou a pôr o soalho, os azulejos e a pintar as paredes de cada divisão. Esta parte não tardará a ficar pronta. Mas há mais duas ainda em construção...

Nham, nham

Acabei de encontrar um M&M, quando pensava que já os tinha acabado há umas dezenas de páginas de tese atrás (nova maneira de contar o tempo, muito cá da casa).
Gosto mais dos que têm amendoim dentro, mas engano-me sempre na cor do pacote. Os outros, porém, também marcham. Como este. Nham, nham. Já cá não está.

Salva pelo contador

Estava eu a ser tentada por um diabrete azul que me queria pôr a dizer disparates sobre o número que o contador de visitas marcava, hesitando, depois dos sérios textos que escrevi, em ajavardar a "linha editorial" deste blog. Fui providencialmente salva por esse mesmo contador, ao andar mais uns passos para a frente e desactualizar as palermices que quase, quase, me saíram pelos dedos fora. Ficou salva a minha reputação. Por algum tempo. O diabrete tentador anda a atazanar-me o juízo e a pedir que o deixe à vontade no blog. Nem quero saber o que daqui pode sair. Mais vale fechar o diabrete à chave e não o deixar sair sob pretexto algum.

O mal

A minha filha chegou a casa com uma revista que falava da Anne Frank e do seu diário. Perguntou-me se o tinha, mostrou interesse em lê-lo. Hesitei em passar-lho para a mão, por um lado por ela ainda não ter dez anos sequer, por outro por saber que ia suscitar uma catadupa de perguntas sobre anti-semitismo, campos de concentração, e sobretudo que iria haver uma questão fundamental: o porquê.
Acabei por lhe dar o Diário, que ela está a devorar. Foi um castigo mandá-la para a cama, queria ler mais. E, entretanto, choviam as perguntas. O que é ser judeu e porque é que isso torna as pessoas diferentes das demais. Porque é que os perseguiam. Porque é que tinham de usar uma estrela na roupa. Porque é que a Anne e a família tinham de se refugiar. O que era um campo de concentração. Porque é que cortavam o cabelo aos presos. O que eram as câmaras de gás.
É muito difícil explicar a uma criança de alma pura o que é o mal, o mal em estado puro. É difícil ver os olhos límpidos da minha filha entristecerem ao saber que havia pessoas que tratavam o seu semelhante daquela forma, e, pior ainda, que continua a haver. Respondi-lhe com sinceridade e de forma simples, que ela pudesse entender. Prometi ver com ela, na internet, o que encontrávamos sobre Anne (as crianças hoje só querem o que está on-line...). Prometi mostrar-lhe livros sobre campos de concentração, explicar-lhe o que foi o horror do Holocausto. E ver com ela um filme que penso que compreenderá: A vida é bela.
Este é um dos filmes que mais me tocou. Há quem critique a forma "leve" como é mostrada a vida num campo de concentração. Há quem veja no filme uma comédia que brinca com coisas sérias. Eu vejo uma das mais bonitas histórias de amor que alguma vez me foi dada conhecer. Primeiro, o amor do pai e da mãe, cheio de episódios caricatos, doidos - mas lindo, contado com uma imensa ternura. Depois, o amor do pai pelo seu filho, e essa coisa fantástica que foi conseguir transmitir esperança ao filho quando nenhuma esperança era consentida, conseguir que o filho risse quando só o choro e a dor os rodeavam, dar um sentido a tudo o que se passava quando nada fazia sentido, e velar por ele, não o deixar desanimar nem sentir desamparado.
Talvez o "conto de fadas" de Benigni permita que a minha filha olhe pela primeira vez para o horror nazi sem se assustar demasiado. Daqui por mais uns anitos, vou ver com ela A lista de Schindler. Lembro-me de ter lido uma apreciação ao filme feita por um antigo professor meu, que dizia que um dia o mostraria ao filho para que este soubesse o que é o mal. Spielberg, a meu ver (e é a opinião de uma completa ignorante da 7ª arte), fez um filme que conta mal uma história e em que falta espessura à personagem de Schindler, mas conseguiu de forma magistral ilustrar o mal, o mal, repito, em estado puro.
Hoje, a minha filha ficou a saber que tudo isto existiu. Os olhos dela ensombraram-se. E eu espero que, ao longo de toda a sua vida, esses olhos mantenham a capacidade de se ensombrar diante da desumanidade e do preconceito racista ou religioso. E que ela se indigne como hoje se indignou, e que saiba ver sempre no outro a imagem dela própria.

domingo, agosto 08, 2004

Cheiro

Vou à varanda. Sinto um cheiro fresco a terra lavada, delicioso.

Tu



Tu, que eu nomeio com estas florzinhas timidamente belas, és a prova de que há outro tipo de amor, que não se esgota, não depende de "ses", é incondicional e infinito. És tu que me reconcilias com o passado e me fazes crer no que há-de vir. És, e por seres fazes-me feliz. Outro dia, alguém nos viu abraçadas, a fazer cócegas uma à outra e a rir; disse que irradiávamos felicidade. E é verdade: contigo nos braços, sou feliz. Absolutamente feliz, mesmo que haja em mim lágrimas ou mágoas.
Logo à noite, graças à chuva, haverá de novo um abraço assim, meu querido amor. E depois de brincares e encheres o espaço com a tua alegria e o teu palrar constante, vais adormecer, e de novo sobre a casa descerá o silêncio. E tudo estará bem, e de novo eu darei graças a Deus por ser a tua mãe.

Recordações

Não sei se é das doces árias de ópera que ouço, da melancolia do tempo chuvoso, de estar a organizar as férias: recordo. Aquelas férias. Tu, eu, a Miosótis, o futuro. Unidos como não mais estivemos - o mundo começou a desmoronar-se semanas depois. Recordo o acordar ao som das rolas. As sestas dela na cadeirinha, enquanto percorríamos todas aquelas praias, sem pressa, com toda a vida pela frente. A paisagem ampla e bela, os horizontes largos das falésias e daquele mar infinito. Eu sentada na nossa praia, olhando a pequenina a correr pelo areal imenso, tu ao fundo, mergulhando nas ondas. A sensação de sermos capazes de vencer tudo, desde que nos olhássemos como olhávamos. Desde que fôssemos nós.
Hoje quase não te reconheço. Pior: reconheço o que não quis ver. Não, o amor não vence tudo. Não chega, só por si.

sábado, agosto 07, 2004

Hoje

Acordei às 2 da tarde. Ninguém me fez barulho, ninguém ligou a tv, ninguém veio aos pulos para o meu quarto a encher-me de beijos e a dizer "mãe, tenho fome!". Como o telefone não tocou, dormi até acordar por mim, pus o sono em dia.
No entanto, bastante mais cedo, um som impusera-se no meio dos meus sonhos, trazendo-me ecos da minha infância: a gaita de beiços de um amola-tesouras-e-navalhas. Naquele estado entre o sono e o acordar, lembro-me de ter pensado que era uma coisa mesmo estranha com a qual sonhar. Não era sonho, porém, o som era mesmo real. Continuei preguiçosamente deitada, recordando a minha avó, quando dizia que o som da gaita do amolador anunciava chuva. Voltei a adormecer mal a cantilena se calou. E o dia, contradizendo a velha superstição, esteve belíssimo. As nuvens pareciam ter sido desenhadas por artistas.

Que bem se está...

Ao serão, junto ao Mondego, no novo Parque Verde da cidade. Delicioso. Um certo ar de "doquinhas" e, acima de tudo, um espaços amplo, bonito, onde se pode passear calmamente a pé enquanto se conversa, tal como eu gosto.
E agora ao trabalho. Boa noite!

sexta-feira, agosto 06, 2004

Ai...

Que tens?
Saudades.
De quem?
Da Miosótis.

Era assim uma lengalenga da minha infância, que se prolongava mudando o nome da flor vezes sem conta. O nome da minha flor não muda.

quinta-feira, agosto 05, 2004

Sem resmunguices

Deu há bocado, na 2, mais um episódio da série de humor Dharma e Greg. Para quem não conhece, é uma série sobre um casal formado por duas pessoas completamente diferentes, que se apaixonaram e decidiram casar no dia em que se conheceram e que vão gerindo, ao longo dos episódios, as suas múltiplas diferenças, graças ao imenso amor que as une.
Gostava que uma coisa assim me acontecesse. Bem, dispensava um tão grande número de diferenças abissais, mais as famílias folclóricas (o meu homem ideal, confesso, além de alto e moreno, é completamente só no mundo - já me bastou uma "step-family"). E também acho melhor que passem mais de 24h antes de se decidir dar tão grande passo (eu demorei uma semana exacta e deu no que deu...). Mas gostava de um amor assim. Como tão bem foi descrito num post de um blog que descobri hoje: O amor podia ser como nos filmes. Forte quando nós somos frágeis, persistente quando já perdemos a esperança. Eu queria um amor assim, em que o silêncio da dor nunca fosse mais alto do que as nossas gargalhadas. E que, quando chegasse, fosse eterno.

Arranjei!

Já tenho com que resmungar: o Luís Represas. O gajo atreve-se a aparecer no meio das músicas que tenho no Windows Media Player. Estou eu aqui muito bem a ouvir os Toranja (continua, sim... agora é o CD todo) uns decibéis acima do que costumo, e não é que me aparece a voz delico-doce dele? Raios o partam, mais aquele sorriso enjoado e o sinal na cara (ou no pescoço? nem sei).

(Resmungar é tão desopilante... E fica mais barato que partir louça. Olha, grande ideia: tenho lá dentro uns pratos lascados nas bordas que já pensei em partir, porque assim inteiros o meu espírito poupadinho não me deixa deitá-los no lixo, e continuo a usá-los. Será que vai ser hoje que vou partir aquela coisada toda?????)

Ora deixem cá ver...

com que é que hei-de resmungar mais hoje?

Palermices de vária ordem

Levei os sapatos novos a passear - também merecem. Francamente, será que quem desenhou a porcaria dos sapatos se lembrou que saltos fininhos se enfiam em tudo quanto é buraquinho das nossas bem pavimentadas ruas? E porque é que a tira no calcanhar não se mantém no sítio e me faz fazer figura de parva, a ter de a puxar para cima de 5 em 5 minutos? Vivam os meus velhos mocassins. Amanhã estão de novo nos meus pés.

Aviso à navegação: quem aqui continua a vir, dia após dia, em busca de considerações sobre v*i*r*g*i*n*d*a*d*e (assim escrito para que não sirva de chamariz ao Google), feminina ou masculina, desengane-se. Falei uma vezinha só sobre o assunto, há umas centenas de posts atrás, a propósito de um texto que cheirava a naftalina de um iluminado cronista da nossa praça. Que fique bem claro: este blog é de uma mulher que já deixou o estado virginal há muito tempo (dizê-lo não é uma inconfidência, é óbvio: tenho uma filha, e não foi por obra e graça do Espírito Santo...).

Os motores de pesquisa são mesmo imbecis. Há tempos andava por aqui alguém à procura de "segredos de beleza de Letizia princesa" , imagine-se. Mas outras pesquisas também são do melhor: "freiras francas" (sim, freiras e não feiras); "remédios que curam pássaros"; "textos de velejar e estar só"; "blog eu gosto de pianos e órgãos".

...

Mas quem me manda a mim ser burra, burra, burra? Quem me manda ter a mania? Será que alguma vez aprendo e deixo de ser imbecil?

quarta-feira, agosto 04, 2004

Ícaro



H. Matisse

terça-feira, agosto 03, 2004

Destino

Os meus versos preferidos da Carta (claro, já avisei que sou de músicas fixas, que não tanto de ideias): "o teu destino foi inventado por gira-discos estragados". Penso nos velhos gira-discos que arranhavam sempre no mesmo sítio, faziam vezes sem conta a mesma asneira, repetiam a mesma faixa sem sair do lugar. Ainda bem que não acredito no destino...

Será normal?

Desde que pus aqui em baixo a letra da Carta, ouvi uma data de vezes a canção. Ainda agora a ouvi, e no final pu-la de novo a tocar. Será normal? Aliás: haverá alguma normalidade na minha vida dos últimos tempos? Naquilo que passa o dia a bailar na minha cabeça e povoa o meu imaginário? Se soubessem o que ando a dissecar, palavrinha a palavrinha (como se aquilo valesse alguma coisa...), e que passo horas e horas em redor daquilo, e, pior que tudo, gosto. Se soubessem que só me apetece andar mal arranjada, tendo criado uma espécie de uniforme de t-shirt + calças + mocassins velhos que enfio a cada vez que saio de casa (e fico a pensar para que é que gastei o meu rico dinheirinho em sapatos novos que calcei três vezes). Se soubessem que perversamente pulei de contente ao ver o dia feio que hoje está. Se soubessem tudo isso, e mais umas quantas coisas que não digo, concluiriam que ouvir dez vezes seguidas canções dos Toranja ou de quem quer que seja é o mais normal da minha vida actual.


"É que hoje acordei e lembrei-me que sou mago feiticeiro... nela te pinto nua numa chama minha e tua..." Ora vamos lá ouvir isto outra vez. E pôr um bocadinho mais de surrealismo na minha vida. A ver se ele acaba, de uma vez por todas.

A música que estou a ouvir

Não falei contigo
com medo que os montes e vales que me achas
caíssem a teus pés...
Acredito e entendo
que a estabilidade lógica
de quem não quer explodir
faça bem ao escudo que és...

Saudade é o ar
que vou sugando e aceitando
como fruto de Verão
nos jardins do teu beijo...
Mas sinto que sabes que sentes também
que num dia maior serás trapézio sem rede
a pairar sobre o mundo
e tudo o que vejo...

É que hoje acordei e lembrei-me
que sou mago feiticeiro
Que a minha bola de cristal é feita de papel
Nela te pinto nua
numa chama minha e tua.

Desconfio que ainda não reparaste
que o teu destino foi inventado
por gira-discos estragados
aos quais te vais moldando...
E todo o teu planeamento estratégico
de sincronização do coração
são leis como paredes e tetos
cujos vidros vais pisando...

Anseio o dia em que acordares
por cima de todos os teus números
raízes quadradas de somas subtraídas
sempre com a mesma solução...
Podias deixar de fazer da vida
um ciclo vicioso
harmonioso do teu gesto mimado
e à palma da tua mão...

É que hoje acordei e lembrei-me
que sou mago feiticeiro
e a minha bola de cristal é feita de papel
Nela te pinto nua
Numa chama minha e tua.

Desculpa se te fiz fogo e noite
sem pedir autorização por escrito
ao sindicato dos Deuses...
mas não fui eu que te escolhi.
Desculpa se te usei
como refúgio dos meus sentidos
pedaço de silêncios perdidos
que voltei a encontrar em ti...

É que hoje acordei e lembrei-me
Que sou mago feiticeiro...
...nela te pinto nua
Numa chama minha e tua.

Ainda magoas alguém
O tiro passou-me ao lado
Ainda magoas alguém
Se não te deste a ninguém
magoaste alguém
A mim... passou-me ao lado.

Toranja, Carta

segunda-feira, agosto 02, 2004

Razões para não ir ao médico de família

Podem ser lidas aqui.
Eu não tenho médico de família. Ou melhor, devo ter, mas não sei quem é, porque a minha médica - que nunca vi, sequer - foi transferida e, como não respondi ao postal que me mandaram a perguntar se queria ser transferida com ela, devo ter automaticamente passado para outro médico. Que espero nunca ter de consultar. Fiquei a saber como o centro de saúde a que pertenço funciona quando um dia, em Agosto, tinha acabado de mudar de casa, tive uma infecção de garganta terrível. Não quis auto-medicar-me, não quis ir entupir as urgências do hospital com uma simples faringite. Dirigi-me ao meu novo centro de saúde, inscrevi-me, escolhi como médica de família a pessoa que estava de serviço - que não me atendeu: já tinha terminado as consultas do dia, foi incapaz de olhar para dentro de uma garganta cheia de pus e passar uma receita de um banalíssimo antibiótico. Demoraria menos de cinco minutos. Não o fez. Fiquei elucidada e nunca mais lá pus os pés.

Praia, precisa-se

Preciso de encontrar uma praia que sinta como minha. Tive-a na infância - praia nortenha de águas calmas, quebradas as ondas nos rochedos que criavam uma pequena enseada e que tinham, nas suas pocinhas, milhares de segredos a descobrir. Essa praia já não existe. A poluição encarregou-se de a destruir por completo, à medida que uma fábrica de produtos lácteos em crescimento tornava um inofensivo ribeiro num cada vez maior esgoto a céu aberto.
Nunca mais senti como minha uma outra praia. Não gosto das praias da zona onde moro. Detesto a Figueira - demasiado urbana, demasiado Coimbra C e desfiles de vaidades, de passeios dos tristes por ruas apinhadas de gente, com uma praia assolada pela nortada a que se chega depois de andar quilómetros, e um mar perigoso e frio onde nunca estou sossegada com a minha filha. E sem rochas, só mar e areia. Em Buarcos há rochas, mas de uma estranha cor, lisas, e o espaço das praias é cada vez menor pois a costa regride todos os anos nessa zona. Do outro lado do rio, na Gala, o panorama não é muito melhor. Mas o pior de tudo para mim são mesmo as recordações e os encontros imediatos.
Mira tem sido a alternativa. Foram lá as férias do ano passado. Tem a barrinha, uma zona óptima para andar de bicicleta com a garota, uma praia ampla que não exige grandes caminhadas, forma-se na maré vaza uma espécie de piscina com que as crianças deliram - mas falta alguma coisa àquela praia para poder ser a minha. Faltam as rochas, os recantos, a água calma de que tanto gosto...
Não vou à Tocha há séculos; guardo a vaga ideia de uma perfeita parvónia de mar batido e cortada pela nortada. Quiaios ainda mais - e a esta ligam-me recordações bonitas, mas das que quero bem enfiadas no fundo do baú onde estão guardadas.
Queria uma praia onde voltar ano após ano e que conhecesse como as palmas das minhas mãos. Queria que a minha filha tivesse a sua praia.
A praia que mais senti como minha foi aquela que se vê numa foto ali em baixo: Odeceixe. Com mar para todos os gostos, um imenso areal onde vêm morrer ondas pequenininhas, mil e uma pocinhas cheias de algas, caranguejos e anémonas Foi lá que a Miosótis as viu pela primeira vez. Mas fica tão longe...

domingo, agosto 01, 2004

Queria saber escrever assim

Dei-te o meu corpo como quem estende

um mapa antes da viagem […]

Mas, afinal, foste tu que desenhaste mapas

nas minhas mãos – tristes geografias,

labirintos de razões improváveis, tão curtas

linhas que a minha vida não teve tempo

senão para pressentir-se. Por isso guardo

dos teus gestos apenas conjecturas, sombras,

muros e regressos – nem sequer feridas

ou ruínas. E, ainda assim, sem eu saber porquê,
as ondas ameaçam o lago dos meus olhos.


(Maria do Rosário Pedreira,
O Canto do Vento nos Ciprestes)

Grito

Apetece-me gritar. Só isso: gritar. Um grito que rebente com os nós na garganta, que liberte o coração, que mande tudo à merda.
Hoje sou eu o leão aqui em baixo. Jurei há muito tempo que o vento contrário não me vai impedir de avançar. E raios, cumprirei.


 
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