Um pouco mais de azul

sexta-feira, agosto 13, 2004

Laços de ternura

Ao responder ao comentário do autor de Um ano de ti, comecei a falar de um tema que me é muito caro: o da importância das conversas entre pais e filhos que estabelecem laços com o passado e assim permitem aos filhos conhecer melhor os pais. Creio que todos temos tendência a olhar os nossos pais como sendo o pai ou a mãe, e nisso de algum modo esgotamos a nossa curiosidade. Se calhar isto passava-se mais com as pessoas da minha geração, ou de gerações anteriores, com cujos pais havia algumas barreiras de comunicação, algum pudor em que eles se revelassem nos seus sentimentos, em que eles fizessem confidências. Para quem os pais eram sobretudo isso, pais, e não amigos. É complicado encontrar as palavras exactas para explicar o que pretendo dizer em abstracto; prefiro ilustrar com o meu exemplo.
De alguma forma, nunca questionei grande coisa sobre o meu pai e a minha mãe. Existiam, eram as minhas âncoras, os meus pontos de referência. Mas não sei muita coisa sobre o que a minha mãe pensava quando era garota, nem acerca dos namorados que teve, ou o porquê de só se ter casado aos trinta e poucos anos, num tempo em que o casamento se fazia, por via de regra, bem mais cedo. Por um lado, a minha mãe não se abria muito sobre tais assuntos, por outro havia uma timidez enorme da minha parte que me impedia de fazer a larga maioria das perguntas que me ocorriam. Havia pudor em revelar sentimentos, não sei porquê. Com o meu pai o mesmo se passava, de forma ainda mais acentuada. Pelo que posso dizer que, na verdade, eu não conhecia o meu pai nem a minha mãe. E agora que ela já cá não está e que ele não me pode responder ao que eu tanto gostava de saber, sinto uma falta imensa desse conhecimento.
Há tempos, no meio de arrumações, encontrei uma grande colecção de cartas trocadas entre ambos, quando já eram casados - encantei-me a lê-las, descobri duas pessoas que se amavam e trocavam palavras ternas que nunca lhes tinha ouvido; seriam palavras da sua intimidade, que não partilhavam com as filhas. Não as li todas, não as trouxe comigo, deixei-as onde estavam, como tesouros que não queria desvendar naquele momento; para já bastava-me saber que ali se encontravam e preservavam a memória de ambos. Assim se conservam ainda, talvez por algum resquício desse velho pudor sem sentido.
Custa-me pegar em álbuns de fotografias e não saber identificar as pessoas, não saber localizar no tempo e no espaço a minha mãe e o meu pai. Tenho vontade de me sentar ao lado da minha tia e pedir que me conte coisas de quando eu era pequenina, coisas dos meus pais e do meu tio que eu não sei e ela sabe. Mas moramos longe, as conversas são sempre à pressa, os encontros escassos...
Não quero que seja assim com a minha filha. Faço questão que ela me conheça. Preservando o que é íntimo, revelando o que é adequado à idade dela saber, mas não me escondendo dela enquanto pessoa humana que sente, pensa, sonha, quer, está contente e triste, chora e ri. Além de mãe, quero ser amiga e confidente, o que implica partilha. Os blogs em que mães e pais falam do que sentem pelos filhos mostram que mais pessoas pensam como eu. E eu sinto que vou escrever cada vez mais coisas sobre a minha filha, não obrigatoriamente aqui, mas criando essa memória que um dia ela terá ao seu dispor e que nos faz sentir parte de um todo, de uma história comum, assim fortalecendo, mais e mais, os doces laços de ternura que nos unem.


 
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