Um pouco mais de azul

quarta-feira, agosto 18, 2004

Escritos de ontem

No meio da cidade grande, um refúgio, à sombra de uma araucária imensa, rodeada de flores. No final de um dia longo de trabalho, escrevo. Para mim.
São tempos estranhos, estes. Tempos de solidão, de me virar para dentro sem sentir. De mergulhar no trabalho e deixar-me invadir por ele - não quero, mas é preciso. Tudo parece invertido num mundo assim. E o pior é que me falta o riso alegre do meu amor, os abraços e beijos que me fazem sorrir e trazem de volta à realidade.
Mas o que é real? É o sonho real? O que sinto é real? Reais a valer são as saudades dela. E real é a irrealidade de uma vida que se obriga a focar num tempo, um espaço, um mundo que tento descobrir e dar a conhecer, e que simultaneamente é criação minha, não existe se eu não o escrever. Apre(e)ndo-o lendo para além do que está escrito, pressentindo uma lógica de que me acerco observando por variados prismas, repetindo ou inventando formas de abordagem.
Sozinha, mergulho nesse mundo criado, simultaneamente apetecido e detestado. Parece mais real que o mundo verdadeiro.

Passo grande parte deste longo serão silencioso a ler. Ficou frio depois de jantar, vim para o quarto. Estou de novo só - e prefiro. Fazer conversa de sala não é o meu forte, sobretudo quando me perguntam sobre temas de que prefiro não falar.
A sensação de irrealidade permanece. Agora não é o trabalho, mas versos e romance. Maria do Rosário Pedreira. Apesar de ter livros novos à minha espera, de ter trazido comigo um deles, não resisti a comprar o que encontrei desta autora que me encantou. Leio-a. Gosto de a ler. Apesar da sua melancolia quase insuportável - talvez insuportável por ter tanto da minha própria melancolia, em dias assim... Ou talvez goste por me rever no intimismo das suas palavras. É tão doce a sua escrita, tão púdica e contida, e simultaneamente tão rica de sentimentos, tão cheia de uma sensibilidade transparente, tão cheia de quanto se adivinha por detrás da sua contenção... Os seus versos são discretos - como carícias contidas, mudas, que falam sem precisar de dizer. Se eu escrevesse versos, seriam em muito semelhantes aos seus. Pelo menos em dias assim - em dias de melancolia, de me enroscar em mim e me proteger do mundo e da chuva que cai lá fora.


 
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