Ia eu com um ouvido no rádio enquanto conduzia, e eis que ouço uma notícia que me deixou pasma. Falava-se de medidas para diminuir os gastos com o sistema nacional de saúde. Dizia-se esta coisa espantosa: um objectivo do governo era diminuir a utilização de remédios inovadores nos hospitais públicos. Se bem entendi, isso significa que novos medicamentos, a começar a ser usados e, portanto, a necessitarem de ser testados, não serão recomendados para os doentes internados nos hospitais públicos. E eu a pensar, na minha santa ingenuidade, que o que se devia fazer era recorrer aos melhores fármacos quando uma pessoa doente necessita deles, e que os hospitais podiam até ser um terreno privilegiado para esses ensaios, na medida em que as pessoas estavam internadas e podiam ser seguidas dia-a-dia... Afinal não.
Do meu ponto de vista de leiga e, felizmente, pouco assídua em serviços hospitalares, dever-se-ia começar por poupar noutras coisas. Por exemplo, qualquer enfermeiro pode trazer para casa material hospitalar, desde seringas a material para fazer pensos, algum do qual caríssimo (não me perguntem como sei, mas sei-o). E há já medicamentos que há muito não são acessíveis nas farmácias hospitalares - ou, pelo menos, na de um dos hospitais da minha cidade onde o meu pai esteve internado, o que nos obrigou a cometer a irregularidade de levar de fora um remédio, ainda pouco usado e extremamente caro, mas eficaz, que o hospital, contudo, não tinha, e para o qual não existiam genéricos nem substitutos.
Durante esse mesmo internamento, fiquei a saber que o hospital não fornecia fraldas aos doentes incontinentes. Lençóis dobrados iam fazendo as vezes delas. Claro que por mais cuidados que houvesse não se conseguia impedir que ficassem, por algum tempo, molhados - e depois vinham as assaduras, e o risco de escaras aumentava. O tratamento dessas lesões pode implicar tratamentos bem mais dispendiosos do que o preço de um pacote de fraldas descartáveis (nem passa pela cabeça de quem está afastado dessa realidade). Em contrapartida, na maternidade, quando lá estive, via serem distribuídos pensos higiénicos sem o menor problema - e duvido que qualquer mãe / paciente com um mínimo de desafogo financeiro não fosse prevenida com os seus próprios pensos; os do hospital podiam, sem prejuízo de ninguém, ser reservados para quem, de facto, precisasse deles.
O remédio que há pouco referi, quando surgiu no mercado, não era comparticipado e o seu preço assumia proporções proibitivas. De tal modo, que o médico nos arranjava amostras gratuitas, pois era incomportável para qualquer orçamento. Demorou mais de um ano a ser conseguida a comparticipação. Não sei em que percentagem o ADSE o paga, mas ainda fica por cerca de 20 contos a embalagem, que dá para um mês. É um medicamento que ajuda a combater a perda de capacidades cognitivas em doentes com problemas neurológicos de variado tipo, como Parkinson ou Alzheimer; não só retarda essa perda, como pode permitir recuperar capacidades que pareciam já perdidas (se algum médico lê isto arrepia-se, decerto, com a falta de rigor no que escrevo, mas não sei explicar melhor e não tenho o texto da bula aqui para poder copiar o que lá está; para leigos como eu, chega, creio). Ou seja, pode ser um medicamento essencial para evitar a progressão de doenças terríveis como as referidas. É preciso, porém, que os pacientes o possam comprar. O neurologista desabafou comigo que, todos os dias, se debatia com este dilema: ou receitava aos doentes o melhor remédio, e os condenava à indigência, porque não tinham dinheiro; ou lhes dava medicamentos menos eficazes e com mais efeitos secundários, e eles lá iam conseguindo viver, menos tempo e em piores condições do que seria possível se eles tivessem outros meios.
Ainda bem que a reforma do meu pai e o dinheiro que pacientemente economizou toda a vida, poupando no supérfluo, lhe permite gozar dos melhores cuidados médicos e medicamentosos. E não ter o seu bem-estar dependente das políticas de contenção de despesas do Ministério da Saúde.