Um pouco mais de azul

domingo, fevereiro 29, 2004

Domingo à tarde

Há dias assim, em que me sinto feliz. Porque o sol rompe por entre uma grossa camada de nuvens e ilumina a minha varanda. Porque a minha filha brinca, alegre, pela casa. Porque o capítulo, de novo emperrado, finalmente tomou o rumo certo e ganha a forma que eu queria. Porque me apetece trabalhar a tarde toda. Porque pressinto um sussurro de música ao longe...
Gosto muito dos romances de Erico Veríssimo.

sexta-feira, fevereiro 27, 2004

A minha oração predilecta

Senhor,
fazei de mim um instrumento da vossa paz!
Onde houver ódio, que eu leve o amor.
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão.
Onde houver discórdia, que eu leve a união.
Onde houver dúvida, que eu leve a Fé.
Onde houver erro, que eu leve a verdade.
Onde houver desespero, que eu leve a esperança.
Onde houver tristeza, que eu leve a alegria.
Onde houver trevas, que eu leve a luz.
Senhor,
que eu procure mais consolar que ser consolado,
compreender que ser compreendido,
amar que ser amado;
Pois é dando que se recebe,
é perdoando que se é perdoado,
e é morrendo que se ressuscita para a vida eterna.


S. Francisco de Assis

Por uma série de coincidências, parece que este blog está a tomar um pendor pró-reflexão de ordem religiosa, que não lhe pretendi imprimir. Coincidências várias a isso levam. E apeteceu-me, na sequência de algumas conversas, deixar aqui o texto da minha oração predilecta. Conhecidíssima, escrita há tantos séculos por esse homem fantástico que foi S. Francisco (vergonha e remorso: ainda não li o livro de Jacques Le Goff sobre S. Francisco, apesar da vontade de o fazer...). Acho-a linda, simples, actual. É um propósito de vida, pleno de tolerância, humildade, alegria, próprio, creio, para crentes e não crentes (estes que tirem as palavras que relevam da Fé, e fiquem com todas as outras).

A minha mãe trouxe um dia, de uma viagem (ainda eu não era nascida), uma espécie de pequenas iluminuras que emoldurou. Uma delas tem esta oração da paz, em francês. Andou perdida pela casa dos meus pais durante anos, até que eu a encontrei. Está agora, numa moldura nova, pendurada na parede ao lado da minha cama. É capaz de ser um bocadito pirosa, mas não me ralo mesmo nada. Quando olho para ela, leio a oração, lembro-me da minha mãe e sorrio. E o dia começa bem.

(Fim dos meus devaneios de natureza religiosa. Por ora)

quarta-feira, fevereiro 25, 2004

Um pouco mais de azul


(muito obrigada, Alexandre)

Sons da noite

Curioso, como certos sons da noite ecoam aos nossos ouvidos todo o dia... Como os murmúrios permanecem. Em tons de azul.

terça-feira, fevereiro 24, 2004

Interlúdio musical

Às vezes é assim, certas músicas parecem vir ter connosco de propósito.

Começar de Novo

Começar de novo
E contar comigo
Vai valer a pena
Ter amanhecido

Ter me rebelado
Ter me debatido
Ter me machucado
Ter sobrevivido

Ter virado a mesa
Ter me conhecido
Ter virado o barco
Ter me socorrido

Começar de novo
E contar comigo
Vai valer a pena
Ter amanhecido

Sem as suas garras
Sempre tão seguras
Sem o teu fantasma
Sem tua moldura

Sem suas escoras
Sem o teu domínio
Sem tuas esporas
Sem o teu fascínio

Começar de novo
E contar comigo
Vai valer a pena
Já ter te esquecido

Começar de novo...

(Ivan Lins/Victor Martins)

domingo, fevereiro 22, 2004

Intervalo para reflexão

Há bocado espreitei um blog que gosto muito de ler (eu sei que jurei não olhar para mais nada antes de completar o tal capítulo, mas ele está a andar, e estava farta daquilo…). Está, aliás, a ser muito interessante, para mim, católica em crise de fé, tomar contacto com o sentir e pensar de outros cristãos, quer católicos, quer protestantes.

Cita o Cosme num post de há uns dias (não sei linkar para um post específico, desculpem): "(…) O Católico, extrovertido, precisa do ritual, do gesto, do movimento, da hierarquia, de tudo o que é exterior, incluindo as imagens, as aparições, enfim, o que cativa os olhos. O Protestante, introvertido, precisa da Palavra e nada mais (…)." Bem… se assim for, então eu devo ser mais protestante que católica! Não preciso de imagens de santos, muito menos de promessas, de procissões, de relíquias, de gestos rituais; e sempre preferi dirigir-me directamente a Deus, com as minhas palavras, do que usando as orações já feitas. Abro uma excepção para Nossa Senhora, mas estou pronta para aceitar que boa parte do gostar de me dirigir a Ela tem a ver com o gosto de sentir o amparo de um “colo” de mãe, e com as lindíssimas palavras da “Ave Maria”… Sou muito céptica quanto a milagres, duvido ainda mais de aparições. A maioria das homílias que ouço é um chorrilho de banalidades, quantas vezes, ainda por cima, terrivelmente desligado da realidade. E não gosto, mas não gosto mesmo nada, da hierarquia católica…

Outro post, desta feita do Vincent, faz-me também reflectir. Diz ele: “Este é o ar que eu respiro e agradeço a Deus por tudo, mas mesmo por tudo. Agradeço a esperança plantada em mim pelo divino. Sim, essa é a maior força que posso ter. Tudo irá correr pelo melhor.”
Pensei para comigo: será que subscrevo estas palavras? Será assim a minha fé? Acho que não é. Agradeço a Deus o ar que respiro, ser quem sou, a graça imensa de ser mãe, o facto de ter uma filha saudável e linda, muitas outras coisas. Mas não agradeço o fracasso do meu casamento, não agradeço a doença da minha mãe, não agradeço o facto de o meu pai estar enfiado numa cadeira de rodas e ser uma sombra de quem foi. Também não O acuso por tudo isto ter acontecido, por o ter permitido (bem… às vezes sim…). Tento apenas aceitar que essas coisas acontecem por causa da imperfeição humana (o primeiro exemplo) ou por razões puramente naturais (os dois outros casos que indiquei). Aceitar pensando que Deus nos deu, com a inteligência e o discernimento, asas para voarmos sozinhos, e nos cabe a nós fazê-lo; usando os talentos que Ele distribuiu por cada um de nós, da melhor forma possível. Um desses talentos foi – e aqui já volto a concordar plenamente com o Vincent – “a esperança plantada em mim pelo divino”. Que ele a saiba usar. E eu também.

Mas irá tudo correr pelo melhor? Não, não vai; vai haver muita coisa má; as linhas tortas pelas quais Deus escreve são mesmo insondáveis – mas será que existem caminhos por Ele traçados para cada passo que damos? Um fim para tudo quanto sucede? Não consigo encaixar isso na liberdade que Deus nos concedeu. E estou aqui enredada em reflexões de teor religioso, numa meada confusa à qual não sei encontrar a ponta…

Nestas situações de impasse, lembro-me sempre de uma frase que li há imenso tempo mas nunca esqueci. Acho que vinha num dos imensos livros da Enid Blyton que devorei em miúda (onde vou buscar inspiração teológica…). Não importa, interessa é a frase: “Reza a Deus, marinheiro, mas vai remando para a praia”. Disse-me um padre que Santo Inácio de Loyola tinha escrito algo de parecido, mais ou menos assim: “Confia em Deus como se tudo dependesse d’Ele, age como se tudo dependesse de ti”. Prefiro a primeira imagem, a do marinheiro. E também acho que ao remar estamos, afinal, a rezar… Mesmo que não compreendamos nada de nada, como me parece ao terminar este longo e provavelmente confuso arrazoado.

Também é remar para a praia alimentar o corpo. São mais do que horas de ir jantar.

Intervalo para um beijo

Valsa para uma menininha

Menininha do meu coração
Eu só quero você a três palmos do chão
Menininha, não cresça mais não
Fique pequenininha na minha canção
Senhorinha levada batendo palminha
Fingindo assustada do bicho-papão.

Menininha, que graça é você
Uma coisinha assim começando a viver.
Fique assim, meu amor, sem crescer
Porque o mundo é ruim, é ruim
E você vai sofrer de repente uma desilusão
Porque a vida é somente seu bicho-papão.

Fique assim, fique assim, sempre assim
E se lembre de mim pelas coisas que eu dei
E também não se esqueça de mim
Quando você souber enfim de tudo que eu amei


(Toquinho e Vinicius de Moraes)

Para a menininha do meu coração, que me faz tanta falta quando não está aqui, ao alcance de um beijo.

quinta-feira, fevereiro 19, 2004

Juramento a mim mesma (e a Clio...)

Juro que não vou deixar o meu pensamento pairar por outras esferas antes de terminar o maldito capítulo encravado... Ou seja, não despego os olhos dos papéis e do Word, não alimento o blog antes de ver a luz no fundo do túnel. Ao trabalho.

PS - Este é o tipo de post idiota de que não gosto (sim, porque há posts idiotas de que gosto). Mas impunha-se. Uma das funções do blog é ajudar-me na difícil tarefa de me disciplinar.

quarta-feira, fevereiro 18, 2004

Esta alma caridosa é mesmo querida...

Agora ensinou-me a fazer links... Será que funciona? Vou linkar para ele, claro!

Uma alma caridosa já me ajudou!

Já tenho, por isso, um endereço de contacto. Para a alma caridosa (o meu único leitor!), uma beijoca agradecida.

"Quase" e "um pouco mais de azul"

O peso da cabeça desanuviou um pouco. Amanhã já devo estar bem, ou suficientemente bem para fazer de conta que efectivamente o estou. O trabalho avançou aos bochechos, claro. Que se lixe. Apetece-me mais vir aqui e declarar guerra ao “quase”.

Nem de propósito, tinha eu pensado no nome para este blog quando recebo, por mail, um texto de Luís Fernando Veríssimo intitulado “Quase”. Não vou transcrevê-lo aqui, apenas dele extrair algumas frases que subscrevo totalmente: “Ainda pior que a convicção do não, a incerteza do talvez, é a desilusão de um "quase". É o quase que me incomoda, que me entristece, que me mata trazendo tudo que poderia ter sido e não foi. (…) Basta pensar nas oportunidades que escaparam pelos dedos, nas chances que se perdem por medo, nas idéias que nunca sairão do papel por essa maldita mania de viver no outono.”

Vivi anos no “quase”. Deixei-me arrastar pelo morno, pela esperança no que um dia seria mas nunca chegava a ser. Deixei de esperar, desacreditei, pus um ponto final. E, por esse motivo, busco “um pouco mais de azul” - pedaço de verso "roubado" ao poema de Mário de Sá-Carneiro de que tanto gosto, e que não resisto a aqui publicar:

QUASE

Um pouco mais de sol – eu era brasa,
Um pouco mais de azul – eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho – ó dor! – quase vivido...

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo... e tudo errou...
— Ai a dor de ser — quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...

Momentos de alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol — vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...

Um pouco mais de sol — e fora brasa,
Um pouco mais de azul — e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...


Chega de falta de golpes de asa. Chega de receios de ir além. Quero o sol, o azul que me neguei, quero ir além do quase. Neste blog, vão ficar desabafos, desânimos, esperanças e desesperanças, alegrias e tristezas que irei sentir nesta nova fase da minha vida. Preciso deste espaço, neste momento, para alinhar pensamentos, para ver claro ao escrever. Como o meu pai sempre gostava de dizer – nota à margem: gosto de citar o meu pai… Tanto discordamos, tanto ele me irritava com o seu feitio reaccionário(quem me dera ouvi-lo a dizer uma das suas frases, agora…), mas como gosto e me orgulho do meu pai e de encontrar em mim tanto dele! Mas já estou a divagar; um dia falarei do meu pai, agora é de outro assunto que se trata. Dizia eu: como o meu pai sempre afirmava, citando, creio, Bossuet (já vi como citação de outro autor, mas o meu pai falava de Bossuet e ele devia saber), “tout ce qui se conçoit bien s'énonce clairement”. Eu não sou capaz de passar algo a escrito sem o compreender; ou, pelo menos, ao escrever vou compreendendo, vai-se fazendo luz no meu espírito.

Por tudo isto, eis o meu blog. E a tal explicação inicial aqui fica. Quem por acaso aqui vier espreitar, sabe desde já com o que poderá contar, e fugir a sete pés. Ou não fugir e até mandar um mail, quando eu conseguir descobrir como se “bota” ali ao lado o meu endereço!

E a constipação estragou tudo...

Era suposto, depois do post inaugural, ter alimentado este recém-nascido blog com uma qualquer profunda declaração de princípio. Com a explicação do seu nome, por exemplo. Com o porquê de estar farta de "quases" e desejosa de "mais azul". Mas uma maldita constipação impede-me de o fazer. Adormeci com dor de garganta, acordei com ela, mais um peso na cabeça que infelizmente não resulta de uma injecção de sapiência nocturna, nem de um fervilhar de ideias brilhantes que me levariam a descobrir uma outra pólvora ou a concluir num ápice o trabalho que tenho entre mãos (quem dera). E é com esse peso na cabeça, ben-u-ron no bucho e uma dose reforçada de chá de limão com mel, alternando com sumo de laranja, que aqui me encontro, diante do computador, tentando vencer a indisposição e trabalhar direitinho. Ficam as profundas reflexões adiadas, pois. Espero que por pouco tempo. Ainda por cima, com a cabeça assim, o trabalho rende tão pouco...

Post inaugural

A desoras, impõe-se a vontade de criar um espaço para escrever, consoante a inspiração, consoante a direcção do vento. Apesar do que o título, tomado de empréstimo ao poema de Mário de Sá-Carneiro, possa sugerir, não é um blog sobre literatura. É apenas o meu blog. Porque me apetece. E porque ando em busca de um pouco mais de azul.


 
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