Um pouco mais de azul

terça-feira, maio 31, 2005

Valete (1)

Era uma vez um gato chamado Valete.
Grande, com longa pelagem arruivada, o Valete vivia numa pequena moradia com a dona, uma senhora viúva de cabelos prateados e olhos muito azuis, para quem o gato era a melhor das companhias.
A D. Ifigénia vivia sozinha, mas todos os dias recebia a visita dos netos, que ficavam com ela no final das aulas. A Susana e o Pedro gostavam muito das horas passadas em casa da avó. Esta tinha sempre um bolo ou outra surpresa para o lanche e contava-lhes histórias dos tempos em que era nova, que muito os faziam rir, pois descobriam que a avó tinha sido uma criança ainda mais endiabrada do que eles. Acima de tudo, era na casa da avó que os pequenos tinham um jardim e um gato para brincarem.
Nas traseiras da casa, existia, de facto, um jardim, com um lago onde nadavam peixinhos vermelhos e dourados, canteiros cheios de flores, algumas árvores de fruto que gostava de depenicar um grande melro de bico amarelo, o qual, logo de manhãzinha, assinalava a sua presença a cantar. Este jardim era o reino do Valete. Ali ele passeava, corria atrás de lagartixas e outros bicharocos, e tinha o seu canto predilecto para preguiçar nos dias de sol.
Se chovia, o gato passava a deitar-se no largo parapeito da janela da sala, através da qual vigiava os seus domínios e atentamente verificava se nenhum rival ousara invadir o seu jardim. Ficava ali deitado durante horas, nesses dias cinzentos, observando os pingos de chuva a cair no pequeno lago, onde, de quando em quando, brilhavam os reflexos coloridos dos peixinhos que, sentindo a falta do seu amigo felino, se aproximavam da superfície para, de longe, o cumprimentarem.
Ao serão, a D. Ifigénia sentava-se nessa mesma sala, fazendo tricot, lendo, vendo televisão ou ouvindo música. E o Valete tinha então outro poiso: sobre uma almofada aos pés da dona, ou, sempre que lhe via o regaço livre, enroscado no seu colo, pedindo as carícias que a idosa senhora nunca lhe negava.
E assim corriam, pacíficos e rotineiros, os dias deste gato.


 
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