Um pouco mais de azul

quinta-feira, outubro 21, 2004

Onde se fala de estudantes, balbúrdias e o que eu acho sobre tudo isso

Os estudantes de Coimbra andam de novo a ser motivo de notícia. Não só porque estamos naquela que agora se chama Festa das Latas, e que veio fazer dilatar a velha tradição da Latada da recepção ao caloiro, conseguindo-se espectáculos, convívios e mais umas quantas coisas que criam uma espécie de Queima das Fitas de início do ano lectivo, mas porque a estudantada está em pé de guerra com o governo, o reitor, a universidade e os professores em geral.
Lembram-se por certo que, no decurso do ano lectivo passado, depois de sucessivos boicotes à votação do valor das propinas pelos estudantes que fazem parte do Senado, esse valor acabou por ser fixado quando, ausentes embora os discentes, havia quorum para proceder à votação. Agora vem a vingança. E eis que um bando de meninos (a quem auguro uma fulgurante carreira partidária mal saiam da universidade com o canudo debaixo do braço) resolve interromper a abertura solene das aulas irrompendo pela sala adentro, à revelia do decidido em Assembleia Magna; e eis que decidem cortar a principal rua de acesso à Alta da cidade; e eis que ontem resolveram querer invadir o Senado e boicotar a reunião deste órgão (em que têm assento, relembro), estando muito indignados porque havia segurança policial a impedi-los de realizar os seus propósitos.
E que penso eu de tudo isto? Algumas coisas, e ao mesmo tempo nada. Penso que os estudantes de Coimbra chegam à cidade e convencem-se de que aqui são reis - como eram noutros tempos, há muitas décadas atrás. Acham que podem fazer o que muito bem entenderem, apenas porque são estudantes e reivindicam o que acham ser os seus direitos. Que me sucederia a mim se resolvesse, em nome de uma causa que achasse justa, fechar uma estrada que não me pertence? Pois, lá vinha a polícia tentar resolver o caso e, caso eu resistisse, ia parar à prisão com toda a pinta, não era? Em que é que os estudantes são mais do que eu? O mesmo raciocínio é válido relativamente aos outros acontecimentos referidos.
Se condeno, por outro lado devo dizer que gosto. Gosto desta balbúrdia. Se não se sonha com fazer um Maio de 68 aos 18, 20 anos, quando é que se vai sonhar? Há uma costela assim a modos que pró-revolucionária ou anarca na minha pacata pessoa. Mas essa costela não gosta de falta de educação nem que, lutando pelos nossos direitos, se atropelem os direitos dos outros. Será isto uma contradição? Provavelmente, não estou muito preocupada com isto.
Também gosto destas convulsões estudantis por saber que elas revelam um profundo mal-estar nas universidades. E estas bem precisam de estudantes que não sejam simples cordeirinhos mansos que seguem o rebanho em fila obediente. O pior é que me parece que, não querendo seguir o rebanho, eles também não sabem lá muito bem por onde vão ou querem ir, nem como lá chegar. Não é assim, creio, que os estudantes conseguirão o ensino de qualidade que reclamam, e que têm todo o direito de exigir; se esse ensino deve ser ou não gratuito, ou se deve, isso sim, existir um eficaz serviço de bolsas e uma verdadeira acção social escolar, não sei bem, tenho mais dúvidas do que certezas a tal respeito. Mas isso já me levaria para outras reflexões que não me apetece tecer agora. Fico-me por aqui.

Adenda - Só agora vi as imagens dos confrontos de ontem. Não sei bem porquê, lembrei-me dos barquitos de guerra a manter à distância a traineira do aborto. Gás lacrimogéneo para dispersar 200 estudantes? Polícia de choque? Que é isto? Acho que está é tudo a ficar doido. Alunos, professores e polícia. E mais o país inteiro.


 
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