Um pouco mais de azul

domingo, junho 13, 2004

Domingo à tarde

As duas primas brincam no corredor. Brincam aos médicos. Dão-se mutuamente injecções, fazem operações, curam males imaginários. Sorrio: recordo os tempos em que, da idade delas, gostava tanto de brincar assim.

Nas últimas semanas, a minha filha tem andado a mostrar o seu pior lado: o mau génio. Manifesta-se especialmente comigo. Sempre foi assim, despejando sobre mim as más disposições, a par dos anseios, dos medos acumulados, dos segredos que a mais ninguém conta. A maior confiança na mãe tem este reverso da medalha muito desagradável, sobre o qual tenho conversado com ela muito a sério. Aos poucos, com esforço, vai aprendendo a dominar-se. Mas custa...
Contudo, a minha filha tem uma qualidade muito bonita que a ajudará a superar esse defeito. Tem um coração generoso e sensível. Ainda há pouco o evidenciou, ao tratar o avô com um carinho extremo. A sua relação com o meu pai é complicada: a reacção face à situação em que ele se encontra tem muito de recusa, de não perdoar o facto de ele já não ser o avô que brincava imenso com ela. Mas hoje, talvez por saber que o avô não anda bem, deu-lhe um beijo cheio de carinho, acariciou-lhe a careca, agarrou na sua mão para brincar com ela, com uma doçura tão grande... Ele correspondeu com o único sorriso dos últimos dias.


 
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