Capas
Cuidadosamente, encapo os livros escolares da minha filha. Meço a película autocolante, corto-a, aplico-a sobre o livro. O meu pensamento viaja no tempo. Recordo o início de cada ano lectivo, a compra dos livros, do papel para os encapar, das etiquetas que identificariam o meu material escolar. Revejo os dedos longos do meu pai, que se encarregava dessa tarefa com esmero e carinho, preenchendo as etiquetas com a sua letra tão bonita, uma caligrafia de família que não herdei. Sinto o cheiro do escritório onde ele passava a maior parte do tempo. Recordo os cartuchinhos de papel carregados de uvas-passas que nos arranjava. Lembro-me de como no armário de parede, por entre prateleiras pejadas de papéis, havia lugar para uns frascos cheios de rebuçados redondos com sabor a laranja e limão. Recordo-nos enroscadas no sofá, embrulhadas numa manta, a ouvir as histórias que ele nos lia nos dias chuvosos de Inverno.
Fui lá a casa outro dia. Não gosto de lá ir. Há demasiadas vozes do passado no ar, demasiadas recordações. Diz-se que não devemos voltar aos lugares onde fomos felizes. Também não devemos regressar aos sítios onde ocorreram alguns dos momentos mais dolorosos da nossa vida. Naquela casa as recordações felizes da infância associam-se à tristeza dos últimos anos em que ali viveram os meus pais. Está cheia de fantasmas, dos meus fantasmas. É ela própria um espectro do passado. Cheira a um mundo desaparecido cujo fim ainda não deixou de doer.
Meço a película autocolante, corto-a à medida, faço-a aderir aos livros com cuidado para não deixar rugas, aliso a superfície no final. Penso que, um dia, a minha filha se lembrará destes momentos. Isso dá-me uma sensação confortável de perenidade, e confere sentido às minhas recordações.
Fui lá a casa outro dia. Não gosto de lá ir. Há demasiadas vozes do passado no ar, demasiadas recordações. Diz-se que não devemos voltar aos lugares onde fomos felizes. Também não devemos regressar aos sítios onde ocorreram alguns dos momentos mais dolorosos da nossa vida. Naquela casa as recordações felizes da infância associam-se à tristeza dos últimos anos em que ali viveram os meus pais. Está cheia de fantasmas, dos meus fantasmas. É ela própria um espectro do passado. Cheira a um mundo desaparecido cujo fim ainda não deixou de doer.
Meço a película autocolante, corto-a à medida, faço-a aderir aos livros com cuidado para não deixar rugas, aliso a superfície no final. Penso que, um dia, a minha filha se lembrará destes momentos. Isso dá-me uma sensação confortável de perenidade, e confere sentido às minhas recordações.